Ricardo Reis | A PASSAGEM DAS HORAS, Álvaro de Campos

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  • Опубліковано 12 чер 2022
  • A PASSAGEM DAS HORAS
    (Por Alvaro de Campos)
    "Não sei se a vida é pouco ou demais pra mim
    Não sei se sinto demais ou de menos, não sei
    Seja como for, era melhor não ter nascido
    Porque de tão interessante que é a todos os momentos
    A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger
    A dar vontade de dar gritos, de dar pulos,
    De ficar no chão
    De sair para fora de todas as casas,
    De todas as lógicas
    De todas as sacadas
    E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos
    E tudo isso devia ser qualquer outra coisa
    Mais parecida com o que eu penso
    Com o que eu penso ou sinto
    Que eu nem sei qual é, ó vida
    Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão
    Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra
    Bateram na criança abandonada
    Tiraram-lhe o pão das mãos
    Oh magoa imensa do mundo
    O que falta é agir...
    Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
    Só estou bem quando ouço musica
    E nem isso então
    Como um balsamo que não consola senão pela ideia de que é um bálsamo
    A tarde de hoje e todos os dias pouco a pouco, monótona, cai
    Acenderam as luzes, cai a noite
    A vida substitui-se
    Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver
    Torna-me humano, ó noite
    Torna-me fraterno e solícito
    Só humanitariamente é que se pode viver
    Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos
    Só assim - ai de mim - só assim se pode viver
    Só assim, ó noite, e eu nunca poderei ser assim
    Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo
    Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual
    E eu sofri
    Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos
    Fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse
    Amei e odiei como toda a gente
    Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo
    Para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo
    Vem, ó noite, e apaga-me
    Vem e afoga-me em ti
    Ó carinhosa do além, senhora do luto infinito
    Mágoa externa da terra, choro silencioso do mundo
    Mãe suave e antiga das emoções sem gesto
    Irmã mais velha, virgem e triste das ideias sem nexo
    Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos
    Direção constantemente abandonada do nosso destino
    A nossa incerteza pagã sem alegria
    A nossa fraqueza cristã sem fé
    O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases
    A nossa febre, a nossa palidez
    A nossa impaciência de fracos
    A nossa vida, ó mãe, a nossa perdida vida
    Não sei sentir, não sei ser humano
    Conviver de dentro da alma triste com os homens
    Meus irmãos na terra
    Não sei ser útil mesmo sentindo ser prático, ser quotidiano, nítido
    Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens
    Ter uma obra, uma força, uma vontade
    Uma horta, uma razão para descansar
    Uma necessidade de me distrair
    Uma coisa vinda diretamente da natureza para mim"
    (*Texto adaptado)
    INSTAGRAM: / sussurros.dist
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