Aracy Balabanian , esteja certa de que você é a pessoa ideal pra narrar os Contos de Clarice . Parabéns mesmo!!!!! Não canso de ouvi-los . Me sinto criança ouvindo a mesma história repetidas vezes !
A história de nossos amores. Com o tempo a gente aprende que pode ser passageiro, pode ser mais brando, e que ao invés de sermos donos de algo ou alguém, podemos ingeri-lo, o amor, assim, como forma de termos aqui dentro, aproveitando cadmomento. E ao final, ela conhece os homens, o q muda, novamente, nossa concepção sobre o amor. E provavelmente aconteceu com ela e os homens o mesmo q aconteceu com ela e as galinhas. E só pra concluir acho q passamos a vida toda tentando aprender a amar. Clarice era brilhante.
UMA HISTÓRIA DE TANTO AMOR Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra Petronilha. Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E a tia: "Você não tem coisa nenhuma no fígado". Então, com a intimidade que tinha com essa tia eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. A tia continuava a lhe dar o remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café - e vinha o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza (a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar. Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a coisa toda tomava: - Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! e é tão rápido que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue! Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia informou-lhe: - Nós comemos Petronilha. A menina era criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não corresponde ao amor que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe percebeu tudo e explicou-lhe. - Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma pena. Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol, embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta, a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser querido. Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina. O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é sozinha no mundo. Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados: comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue. Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para amar até que se tornou moça e havia os homens.
Aracy Balabanian , esteja certa de que você é a pessoa ideal pra narrar os
Contos de Clarice . Parabéns mesmo!!!!! Não canso de ouvi-los . Me sinto criança ouvindo a mesma história repetidas vezes !
Que voz excelente! Postem mais contos, por favor.
A história de nossos amores. Com o tempo a gente aprende que pode ser passageiro, pode ser mais brando, e que ao invés de sermos donos de algo ou alguém, podemos ingeri-lo, o amor, assim, como forma de termos aqui dentro, aproveitando cadmomento.
E ao final, ela conhece os homens, o q muda, novamente, nossa concepção sobre o amor. E provavelmente aconteceu com ela e os homens o mesmo q aconteceu com ela e as galinhas. E só pra concluir acho q passamos a vida toda tentando aprender a amar. Clarice era brilhante.
Amo esses áudios. Duas criaturas fantásticas.
04/01/19
A comunhão dos que amam! Genial!
porque não posta mais?
Divina, Clarice, divina.
Que conto!!!
apaixonado!!!!!!!!!!
UMA HISTÓRIA DE TANTO AMOR
Era uma vez uma menina que observava tanto as galinhas que lhes conhecia a alma e os
anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o galo tem angústia quase humana: falta-lhe um
amor verdadeiro naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não perder a
primeira das mais longínquas claridades e cantar o mais sonoro possível. É o seu dever e a sua
arte. Voltando às galinhas, a menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra
Petronilha.
Quando a menina achava que uma delas estava doente do fígado, ela cheirava embaixo das
asas delas, com uma simplicidade de enfermeira, o que considerava ser o sintoma máximo de
doenças, pois o cheiro de galinha viva não é de se brincar. Então pedia um remédio a uma tia. E
a tia: "Você não tem coisa nenhuma no fígado". Então, com a intimidade que tinha com essa tia
eleita, explicou-lhe para quem era o remédio. A menina achou de bom alvitre dá-lo tanto a
Pedrina quanto a Petronilha para evitar contágios misteriosos. Era quase inútil dar o remédio
porque Pedrina e Petronilha continuavam a passar o dia ciscando o chão e comendo porcarias
que faziam mal ao fígado. E o cheiro debaixo das asas era aquela morrinha mesmo. Não lhe
ocorreu dar um desodorante porque nas Minas Gerais onde o grupo vivia não eram usados assim
como não se usavam roupas íntimas de nylon e sim de cambraia. A tia continuava a lhe dar o
remédio, um líquido escuro que a menina desconfiava ser água com uns pingos de café - e vinha
o inferno de tentar abrir o bico das galinhas para administrar-lhes o que as curaria de serem
galinhas. A menina ainda não tinha entendido que os homens não podem ser curados de serem
homens e as galinhas de serem galinhas: tanto o homem como a galinha têm misérias e grandeza
(a da galinha é a de pôr um ovo branco de forma perfeita) inerentes à própria espécie. A menina
morava no campo e não havia farmácia perto para ela consultar.
Outro inferno de dificuldade era quando a menina achava Pedrina e Petronilha magras
debaixo das penas arrepiadas, apesar de comerem o dia inteiro. A menina não entendera que
engordá-las seria apressar-lhes um destino na mesa. E recomeçava o trabalho mais difícil: o de
abrir-lhes o bico. A menina tornou-se grande conhecedora intuitiva de galinhas naquele imenso
quintal das Minas Gerais. E quando cresceu ficou surpresa ao saber que na gíria o termo galinha
tinha outra acepção. Sem notar a seriedade cômica que a coisa toda tomava:
- Mas é o galo, que é um nervoso, é quem quer! Elas não fazem nada demais! e é tão rápido
que mal se vê! O galo é quem fica procurando amar uma e não consegue!
Um dia a família resolveu levar a menina para passar o dia na casa de um parente, bem longe de casa. E quando voltou, já não existia aquela que em vida fora Petronilha. Sua tia
informou-lhe:
- Nós comemos Petronilha.
A menina era criatura de grande capacidade de amar: uma galinha não corresponde ao amor
que se lhe dá e no entanto a menina continuava a amá-la sem esperar reciprocidade. Quando
soube o que acontecera com Petronilha passou a odiar todo o mundo da casa, menos sua mãe
que não gostava de comer galinha e os empregados que comeram carne de vaca ou de boi. O seu
pai, então, ela mal conseguiu olhar: era ele quem mais gostava de comer galinha. Sua mãe
percebeu tudo e explicou-lhe.
- Quando a gente come bichos, os bichos ficam mais parecidos com a gente, estando assim
dentro de nós. Daqui de casa só nós duas é que não temos Petronilha dentro de nós. É uma
pena.
Pedrina, secretamente a preferida da menina, morreu de morte morrida mesmo, pois
sempre fora um ente frágil. A menina, ao ver Pedrina tremendo num quintal ardente de sol,
embrulhou-a num pano escuro e depois de bem embrulhadinha botou-a em cima daqueles
grandes fogões de tijolos das fazendas das minas-gerais. Todos lhe avisaram que estava
apressando a morte de Pedrina, mas a menina era obstinada e pôs mesmo Pedrina toda enrolada
em cima dos tijolos quentes. Quando na manhã seguinte Pedrina amanheceu dura de tão morta,
a menina só então, entre lágrimas intermináveis, se convenceu de que apressara a morte do ser
querido.
Um pouco maiorzinha, a menina teve uma galinha chamada Eponina.
O amor por Eponina: dessa vez era um amor mais realista e não romântico; era o amor de
quem já sofreu por amor. E quando chegou a vez de Eponina ser comida, a menina não apenas
soube como achou que era o destino fatal de quem nascia galinha. As galinhas pareciam ter uma
pré-ciência do próprio destino e não aprendiam a amar os donos nem o galo. Uma galinha é
sozinha no mundo.
Mas a menina não esquecera o que sua mãe dissera a respeito de comer bichos amados:
comeu Eponina mais do que todo o resto da família, comeu sem fome, mas com um prazer quase
físico porque sabia agora que assim Eponina se incorporaria nela e se tornaria mais sua do que
em vida. Tinham feito Eponina ao molho pardo. De modo que a menina, num ritual pagão que
lhe foi transmitido de corpo a corpo através dos séculos, comeu-lhe a carne e bebeu-lhe o sangue.
Nessa refeição tinha ciúmes de quem também comia Eponina. A menina era um ser feito para
amar até que se tornou moça e havia os homens.
Um prazer sem fim diante da perfeição!
Amei. Q tema interessante. Bem criativo.
Genial!
Fantástico.
Adorei!
maravilhoso
Gratidão
Caramba!🤩🤩🤩
👏👏👏
Jesus, profundo! Mas também perturbador!