Cara, parabéns, gostei bastante do vídeo, especialmente, na parte dedicada aos conceitos, aliás se definisse e/ ou aplicasse a realidade com exemplos, acho que ficaria bem didatico. mas desde já agradeço pelo conteúdo.
Olá, Davi! Obrigado pelo feedback! Pretendo trazer mais da teoria do Jung, e outros heróis da psicologia. Esse vídeo foi um teste inicial, pois estou tentando encontrar um formato que fique mais acessível a todos. Obrigado pelo comentário e pelo feedback! Grande abraço!
Para quem vive nos anos 90, fica difícil compreender o tremendo impacto cultural, musical, político e religioso que Richard Wagner (1813-1883) teve em todo o mundo ocidental no fim do século XIX. A influência do compositor alemão ia além das inovações musicais que introduzira com suas diversas que introduzira com suas diversas óperas (sobretudo no Ciclo do Anel e no Parsifal). ... Os inúmeros ensaios e comentários de Wagner sobre uma grande variedade de temas sociais, políticos, culturais, filosóficos e raciais estão numa coletânea de dezesseis volumes, que rivaliza em tamanho e amplitude com as Obras reunidas de Jung e as Obras completas de Freud. (...) O wagnerianismo logo se tornou um fenômeno mundial, com centenas de agremiações locais na Europa e nos Estados Unidos. Na virada do século [XIX para o XX], todas as universidades dos países de língua alemã (inclusive a da Basileia, onde Jung cursava medicina) mantinham ligas estudantis wagnerianas, muitas das quais com base no pangermanismo e num crescente antissemitismo. (...). os nacionalistas alemães buscavam a purificação e a transcendência através da iniciação no mistério do festival de Bayreyth [cidade aonde Wagner erguera um templo-teatro, e era cultuado em seus cultos-mistérios]; eles também se inspiravam nos ensaios de Wagner que promoviam o pangermanismo e o antissemitismo. (...). O wagnerianismo se tornou tanto um influente movimento social e político quanto um moderno culto-mistério, baseado numa imagem idealizada de Wagner e em sua e seu sagrado templo-teatro de Beyreuth. Muitos adotaram o wagnerianismo como uma visão de mundo totalizante e uma esperança de transformação. (...). O Círculo de Bayreuth se tornou tão antissemita e nacionalista que, na década de 20, Hitler fez diversas peregrinações a Bayreuth e beijou a mão moribunda de Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), o qual, depois de Cosima Wagner [amante, e depois esposa do compositor], era a figura dominante no Círculo. Chegando ao poder em 1933, Hitler elevou Bayreuth à posição de santuário nacional, mantido com dinheiro público, e compareceu às festividades anuais. Em 1923, ele [Hitler] ficara muito emocionado ao visitar o túmulo de Wagner e prometera à Cosima, seu filho Siegfried Wagner e sua nora Winifred: “Vou fazer do Parsifal uma religião!” Assim, nos anos 30 os festivais de Bayreuth se transformaram nos mistérios do Estado nazista. (...) Em 13 de junho de 1909, Sabina Spielrein, ex paciente que se tornara assistente psiquiátrica e amante de Jung, descreveu em seu diário um momento de intimidade que tiveram em 1907 ou 1908: segundo Sabina, os olhos de Jung se encheram de lágrimas enquanto ela descrevia excitadamente a natureza “psicológica” da música de Wagner. Sabina dizia que ambos preferiam a ópera O ouro do Reno e que esse amor comum por Wagner constituía prova de que suas almas “eram profundamente afins”. Em 11 de dezembro de 1909, Trigant Burrow, psiquiatra americano que há um ano estudava com Jung em Kusnacht-Zurique (sentindo-se muito contente em “sentar-se aos pés desse vidente suíço”), dizia numa carta à mãe que ele e Jung tinham ido a uma apresentação de O navio fantasma. Laurens van der Post, amigo, colega e biografo de Jung, falou da “música equinocial de Wagner, a preferida por Jung, quando este se permitia ouvir música”. [Lauren van der Post, Jung and the story of our time (New York, Random House, 1976), p. 67. Apesar desse testemunho de Van der Post (e de depoimentos de pessoas que conheceram Jung numa fase anterior da vida dele), Wagner não constava da lista de “favoritos” musicais de Jung que Aniela Jaffé forneceu num ensaio carinhoso sobre sua vivência com ele. Bach, Haendel, Mozart, os “pré-mozartianos” e os Negro spirituals eram todos mencionados por Aniela Jaffé como preferência de Jung. Esta contradição de Van der Post e Aniela é estranha, pois ambos conheceram Jung no mesmo período, e deve ser outro indício de como os discípulos de Jung se encarregaram de eliminar da imagem dele qualquer vínculo potencial com o nazismo. Ver Aniela Jaffé, “From Jung’s last years”, em From the life and work of C. G. Jung, trans. R. F. C. Hull (New York, Harper Colophon, 1971), p. 116; ed. orig. alemã: Aus Leben und Werkstatt von C. G. Jung: Parapsychologie, Alchemie, Nationalsozialismus, Erinnerungen aus den letzten Jahren (Zurich, Rascher, 1968)] (Noll, 1996. p. 78-80-2 e p. 356)
O renascimento do interesse pela obra de Jung reflete as condições próprias do terceiro milênio, o clima da Nova Era, com sua espiritualidade difusa e se pensamento multipolar e fragmentado. Poderia ser a saída para a crise da psicologia profunda, nome sob o qual é usual incluir a psicanálise e a psicologia analítica, além das demais correntes que lidam com o conceito de inconsciente. No centro de tudo está, é claro, a psicanálise, cujas origens situam-se no ambiente sombrio dos dias finais do império Austro-Húngaro. Com a decadência do poder político, a intelectualidade burguesa vienense passou a se dedicar mórbida e compulsivamente, aos temas da sexualidade e da morte. A Viena de Freud não era mais a Viena da música alegre das valsas, mas sim a das sufocantes lembranças de um tempo perdido, o que se refletirá, na teoria psicanalítica, em uma preocupação obsessiva com o passado. Este clima pesado e inquietante moldou o pensamento de Freud, sem que, talvez, ele percebesse o quanto era vulnerável ao mesmo. Entretanto, na burguesa e republicana Suíça, outras correntes de inquietações fervilhavam sob a calma superfície de seus lagos, forças muito antigas e poderosas e que muitos julgavam desaparecidas. Dali surgiu uma alternativa para a psicologia sem alma de Freud, formulada por seu colaborador e depois rival, Carl Gustav Jung, que trabalhou com ele de 1906 até 1913. (...)..., mas o que os uniu, no início, foi a paixão por um lado da psique humana, denominado “o inconsciente”, ideia que, de modo vago, já circulava no pensamento do século XIX. Como escreveu Hugo Von Hofmannsthal [poeta austríaco (1875-1929)]: ‘Não possuímos nosso Eu ele sopra de fora sobre nós, foge de nós por muito tempo, e nos retorna em um suspiro’ A crise da modernidade provocou o surgimento de variados e exóticos sistemas de pensar a natureza humana, ou modos de ver o mundo, métodos de interpretação totalizantes que pretendiam ser capazes de explicar a nova realidade. Os que permaneceram são agora defrontados com a visão crítica da pós modernidade, encontrando o seu maior e, talvez último, desafio. - “O caminho de Jung” - George Borten. Belo Horizonte, 2001, p. 3-4. Freud representa um tipo de mentalidade própria do final do século XIX e começo do século XX. O estilo das ciências humanas, na época, espelhava-se nas teorias da física e o conceito de energia parece tê-lo influenciado, levando-o a propor um equivalente psíquico, a libido, que seria algo como uma energia sexual. O perigoso fascínio pela analogia, que contaminará a psicanálise, começava aí. Há ecos também do Romantismo, como a passionalidade, a exaltação do conflito de opostos, a rebeldia contra a autoridade, o amor impossível ou inaceitável o incesto, em particular, a concepção do homem irracional e a obsessão pelo lado marginal do ser humano. Jung, por outro lado, vinha de uma família religiosa [protestante] e desde criança tinha visões e sonhos premonitórios. Caso sua obra fosse analisada por um espírita, talvez ele poderia identificar ali um médium. Isto está muito discretamente colocado em suas obras, mas as sensações que ele descreve como imaginação ativa, podem ser interpretadas como o equivalente do chamado transe mediúnico. Jung interessava-se profundamente por filosofia, religião, mitologia, alquimia e esoterismo em geral e foi ficando cada vez mais envolvido com misticismo. (...). Sabine Spielrein, curiosa e trágica personagem, não pode ser esquecida, pois ela teve um papel importante, só agora revelado, graças à liberação da correspondência trocada entre ela e Jung. Sabine começa como sua paciente. No final do tratamento, Jung convenceu-a a se tornar uma psicanalista (essas coisas eram fáceis naquela época); (...). Jung exercia reconhecidamente um grande fascínio sobre as mulheres, que formavam a maioria do seu círculo interno de discípulos, chamadas por muitos de al valquírias, uma alusão irônica às deusas guerreiras dos mitos germânicos. Esta personalidade carismática parece explicar muito do seu sucesso como terapeuta. (...). Após a ruptura com Freud, Jung ficou livre para elaborar a sua própria variante da psicanálise, que ele denominou de psicologia analítica. Uma das suas mais importantes proposições nessa nova fase é que, além do inconsciente individual, cada ser humano compartilharia um inconsciente coletivo com toda a humanidade. (...). Em seus escritos profissionais, Jung leva a entender que seria algo como uma função hereditária. Em seus escritos particulares, entretanto, ele parece crer em um acesso da mente a uma fonte espiritual coletiva. (...). O relacionamento com o inconsciente se revela uma dialética de contínuo desenvolvimento, cujo eixo se encontra fora de nós e que nos escapa sempre, mas que ainda assim nos estrutura e nos orienta. (BORTEN, 2001, p. 6-10) Jung foi muito influenciado pelo conceito de polipsiquismo da escola de psiquiatria francesa do século XIX, isto é, a ideia de que a mente é o resultado do funcionamento de unidades semiautônomas, que ele denominou de complexos, e que, no caso de uma personalidade bem integrada, atuariam em sintonia, criando a unidade da psique. (BORTEN, 2001, p. 14) Do outro lado da psicologia analítica, o grande defensor da atuação política é Andrew Samuels. Segundo ele, a única coisa e que os analistas são realmente bons é em conseguir que as pessoas expressem conscientemente o que já sabem inconscientemente, mas ainda não perceberam ou pensaram. Os analistas deveriam se aliar expressamente aos grupos marginais ou minorias, desvendando a experiência psicológica de ser um excluído. Eles poderiam ajudar a superar os estereótipos defensivos impostos pela cultura dominante, ao analisar a natureza e a existência da diferença em si, como é se sentir diferente, como é viver essa diferença. (BORTEN, 2001, p. 22) (...). Esse modo de encarar o processo de individuação como uma crise aguda de grandes proporções, estimulada pelo analista, que começaria por uma nekyia, ou descida aos infernos, foi abolido na psicologia analítica a partir dos anos 70, quando várias práticas polemicas - entre elas a da Soror Mystica - foram abandonadas. (BORTEN, 2001, p. 23) Para termos uma melhor ideia de quem foi Jung, é preciso ler, antes de tudo, o livro “Memórias, sonhos, reflexões”, parcialmente escrito por ele e completado, com base nos seus diário, por Aniella Jaffé. Que Jung é difícil de ler, talvez esta seja a única unanimidade a respeito de sua obra. Parte da dificuldade é a sua intenção de esconder ou minimizar o forte conteúdo espiritual presente na mesma. Uma associação com fenômenos espiritualistas levaria a uma acusação de ocultista, que representava, para a mentalidade então dominante, uma ideia de coisa doentia, louca, decadente, que poderia destruir sua credibilidade científica. Daí o cuidado com que evita termos que poderiam soar estranhos ou mesmo não científicos. Por exemplo, o que ele chama de imaginação ativa poderia ser entendido como transe mediúnico ou, diríamos hoje, estados alterados de consciência, mas este é um assunto que ele queria evitar a todo custo. A um leitor descuidado poderia parecer que ele está falando sempre de sonhos, mas analisando-se bem o texto, percebe-se que esta não é o caso. Arquétipo é um termo que cobre várias situações diferentes na sua obra. Em algumas situações, o termo se refere às próprias imagens arcaicas, em outras a predisposições atemporais, são determinantes teleológicos, afetando o desenvolvimento da psique como atratores estranhos. Em algumas passagens do texto, contudo, não há como evitar a estranha sensação de que o termo ativação de arquétipos poderia ser substituído por possessão por espíritos. Mais uma vez nos deparamos com a famosa ambiguidade de Jung e suas tentativas de esconder uma conexão espiritualista. Essa ambiguidade ocasional, que afinal ele mesmo admitiu ter empregado, exige um trabalho de releitura. É preciso lembrar que até o final da vida ele repudiava com veemência o epíteto de místico. As dificuldades não param nisto. Para provar suas ideias, ele normalmente não usa um simples raciocínio dedutivo, mas algo que poderíamos chamar de processo de ilustração. Cita uma longa sequência de analogias e exemplos, similares à ideia original e, a um determinado momento, dá-se por satisfeito. O acúmulo de evidências paralelas parece ter sido suficiente para ele. O leitor fica com a estranha sensação de ter pulado o trecho do texto onde a ideia teria sido demonstrada. Isto pode parecer pouco científico para nós, mas não para a época, quando o modelo mais admirado de ciência era a arqueologia, não no sentido atual, mas à moda de Heinrich Schliemann, o descobridor de Tróia, que, munido de versos de Homero, pás e uma brilhante imaginação, julgou ter descoberto a Tróia da Ilíada. Sua mulher, Sophia, desfilava nos melhores salões da Europa usando as joias encontradas nas escavações, que Schliemann jurava, mesmo sem provas convincentes, terem pertencido à Helena de Tróia. A atuação de uma mente ousada, aventureira e especulativa, parecia naturalmente científica para os contemporâneos de Jung e Freud. (...). (BORTEN, 2001, p. 25-7
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Ficou muito legal suas animações, parabéns !!!
Excelente trabalho!!! Vídeo bem explicado, as imagens ajudam bastante. Sucesso... ^_^
Olá, Vyvianne Lopes Chaves! Obrigado por seu comentário!
Grande abraço!
parabéns, ótima explicação
Cara, parabéns, gostei bastante do vídeo, especialmente, na parte dedicada aos conceitos, aliás se definisse e/ ou aplicasse a realidade com exemplos, acho que ficaria bem didatico. mas desde já agradeço pelo conteúdo.
Olá, Davi! Obrigado pelo feedback! Pretendo trazer mais da teoria do Jung, e outros heróis da psicologia. Esse vídeo foi um teste inicial, pois estou tentando encontrar um formato que fique mais acessível a todos.
Obrigado pelo comentário e pelo feedback!
Grande abraço!
Ótimo vídeo!! 👏🏻👏🏻👏🏻
Obrigado! =)
Muito bom.
Gostei
Obrigado pelo comentário, Renato! Grande abraço!
Para quem vive nos anos 90, fica difícil compreender o tremendo impacto cultural, musical, político e religioso que Richard Wagner (1813-1883) teve em todo o mundo ocidental no fim do século XIX. A influência do compositor alemão ia além das inovações musicais que introduzira com suas diversas que introduzira com suas diversas óperas (sobretudo no Ciclo do Anel e no Parsifal). ... Os inúmeros ensaios e comentários de Wagner sobre uma grande variedade de temas sociais, políticos, culturais, filosóficos e raciais estão numa coletânea de dezesseis volumes, que rivaliza em tamanho e amplitude com as Obras reunidas de Jung e as Obras completas de Freud. (...) O wagnerianismo logo se tornou um fenômeno mundial, com centenas de agremiações locais na Europa e nos Estados Unidos. Na virada do século [XIX para o XX], todas as universidades dos países de língua alemã (inclusive a da Basileia, onde Jung cursava medicina) mantinham ligas estudantis wagnerianas, muitas das quais com base no pangermanismo e num crescente antissemitismo. (...). os nacionalistas alemães buscavam a purificação e a transcendência através da iniciação no mistério do festival de Bayreyth [cidade aonde Wagner erguera um templo-teatro, e era cultuado em seus cultos-mistérios]; eles também se inspiravam nos ensaios de Wagner que promoviam o pangermanismo e o antissemitismo. (...). O wagnerianismo se tornou tanto um influente movimento social e político quanto um moderno culto-mistério, baseado numa imagem idealizada de Wagner e em sua e seu sagrado templo-teatro de Beyreuth. Muitos adotaram o wagnerianismo como uma visão de mundo totalizante e uma esperança de transformação. (...). O Círculo de Bayreuth se tornou tão antissemita e nacionalista que, na década de 20, Hitler fez diversas peregrinações a Bayreuth e beijou a mão moribunda de Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), o qual, depois de Cosima Wagner [amante, e depois esposa do compositor], era a figura dominante no Círculo. Chegando ao poder em 1933, Hitler elevou Bayreuth à posição de santuário nacional, mantido com dinheiro público, e compareceu às festividades anuais. Em 1923, ele [Hitler] ficara muito emocionado ao visitar o túmulo de Wagner e prometera à Cosima, seu filho Siegfried Wagner e sua nora Winifred: “Vou fazer do Parsifal uma religião!” Assim, nos anos 30 os festivais de Bayreuth se transformaram nos mistérios do Estado nazista. (...)
Em 13 de junho de 1909, Sabina Spielrein, ex paciente que se tornara assistente psiquiátrica e amante de Jung, descreveu em seu diário um momento de intimidade que tiveram em 1907 ou 1908: segundo Sabina, os olhos de Jung se encheram de lágrimas enquanto ela descrevia excitadamente a natureza “psicológica” da música de Wagner. Sabina dizia que ambos preferiam a ópera O ouro do Reno e que esse amor comum por Wagner constituía prova de que suas almas “eram profundamente afins”. Em 11 de dezembro de 1909, Trigant Burrow, psiquiatra americano que há um ano estudava com Jung em Kusnacht-Zurique (sentindo-se muito contente em “sentar-se aos pés desse vidente suíço”), dizia numa carta à mãe que ele e Jung tinham ido a uma apresentação de O navio fantasma. Laurens van der Post, amigo, colega e biografo de Jung, falou da “música equinocial de Wagner, a preferida por Jung, quando este se permitia ouvir música”. [Lauren van der Post, Jung and the story of our time (New York, Random House, 1976), p. 67. Apesar desse testemunho de Van der Post (e de depoimentos de pessoas que conheceram Jung numa fase anterior da vida dele), Wagner não constava da lista de “favoritos” musicais de Jung que Aniela Jaffé forneceu num ensaio carinhoso sobre sua vivência com ele. Bach, Haendel, Mozart, os “pré-mozartianos” e os Negro spirituals eram todos mencionados por Aniela Jaffé como preferência de Jung. Esta contradição de Van der Post e Aniela é estranha, pois ambos conheceram Jung no mesmo período, e deve ser outro indício de como os discípulos de Jung se encarregaram de eliminar da imagem dele qualquer vínculo potencial com o nazismo. Ver Aniela Jaffé, “From Jung’s last years”, em From the life and work of C. G. Jung, trans. R. F. C. Hull (New York, Harper Colophon, 1971), p. 116; ed. orig. alemã: Aus Leben und Werkstatt von C. G. Jung: Parapsychologie, Alchemie, Nationalsozialismus, Erinnerungen aus den letzten Jahren (Zurich, Rascher, 1968)] (Noll, 1996. p. 78-80-2 e p. 356)
O renascimento do interesse pela obra de Jung reflete as condições próprias do terceiro milênio, o clima da Nova Era, com sua espiritualidade difusa e se pensamento multipolar e fragmentado. Poderia ser a saída para a crise da psicologia profunda, nome sob o qual é usual incluir a psicanálise e a psicologia analítica, além das demais correntes que lidam com o conceito de inconsciente. No centro de tudo está, é claro, a psicanálise, cujas origens situam-se no ambiente sombrio dos dias finais do império Austro-Húngaro. Com a decadência do poder político, a intelectualidade burguesa vienense passou a se dedicar mórbida e compulsivamente, aos temas da sexualidade e da morte. A Viena de Freud não era mais a Viena da música alegre das valsas, mas sim a das sufocantes lembranças de um tempo perdido, o que se refletirá, na teoria psicanalítica, em uma preocupação obsessiva com o passado. Este clima pesado e inquietante moldou o pensamento de Freud, sem que, talvez, ele percebesse o quanto era vulnerável ao mesmo. Entretanto, na burguesa e republicana Suíça, outras correntes de inquietações fervilhavam sob a calma superfície de seus lagos, forças muito antigas e poderosas e que muitos julgavam desaparecidas. Dali surgiu uma alternativa para a psicologia sem alma de Freud, formulada por seu colaborador e depois rival, Carl Gustav Jung, que trabalhou com ele de 1906 até 1913. (...)..., mas o que os uniu, no início, foi a paixão por um lado da psique humana, denominado “o inconsciente”, ideia que, de modo vago, já circulava no pensamento do século XIX. Como escreveu Hugo Von Hofmannsthal [poeta austríaco (1875-1929)]:
‘Não possuímos nosso Eu
ele sopra de fora sobre nós,
foge de nós por muito tempo,
e nos retorna em um suspiro’
A crise da modernidade provocou o surgimento de variados e exóticos sistemas de pensar a natureza humana, ou modos de ver o mundo, métodos de interpretação totalizantes que pretendiam ser capazes de explicar a nova realidade. Os que permaneceram são agora defrontados com a visão crítica da pós modernidade, encontrando o seu maior e, talvez último, desafio. - “O caminho de Jung” - George Borten. Belo Horizonte, 2001, p. 3-4.
Freud representa um tipo de mentalidade própria do final do século XIX e começo do século XX. O estilo das ciências humanas, na época, espelhava-se nas teorias da física e o conceito de energia parece tê-lo influenciado, levando-o a propor um equivalente psíquico, a libido, que seria algo como uma energia sexual. O perigoso fascínio pela analogia, que contaminará a psicanálise, começava aí. Há ecos também do Romantismo, como a passionalidade, a exaltação do conflito de opostos, a rebeldia contra a autoridade, o amor impossível ou inaceitável o incesto, em particular, a concepção do homem irracional e a obsessão pelo lado marginal do ser humano.
Jung, por outro lado, vinha de uma família religiosa [protestante] e desde criança tinha visões e sonhos premonitórios. Caso sua obra fosse analisada por um espírita, talvez ele poderia identificar ali um médium. Isto está muito discretamente colocado em suas obras, mas as sensações que ele descreve como imaginação ativa, podem ser interpretadas como o equivalente do chamado transe mediúnico. Jung interessava-se profundamente por filosofia, religião, mitologia, alquimia e esoterismo em geral e foi ficando cada vez mais envolvido com misticismo. (...).
Sabine Spielrein, curiosa e trágica personagem, não pode ser esquecida, pois ela teve um papel importante, só agora revelado, graças à liberação da correspondência trocada entre ela e Jung. Sabine começa como sua paciente. No final do tratamento, Jung convenceu-a a se tornar uma psicanalista (essas coisas eram fáceis naquela época); (...). Jung exercia reconhecidamente um grande fascínio sobre as mulheres, que formavam a maioria do seu círculo interno de discípulos, chamadas por muitos de al valquírias, uma alusão irônica às deusas guerreiras dos mitos germânicos. Esta personalidade carismática parece explicar muito do seu sucesso como terapeuta. (...). Após a ruptura com Freud, Jung ficou livre para elaborar a sua própria variante da psicanálise, que ele denominou de psicologia analítica. Uma das suas mais importantes proposições nessa nova fase é que, além do inconsciente individual, cada ser humano compartilharia um inconsciente coletivo com toda a humanidade. (...). Em seus escritos profissionais, Jung leva a entender que seria algo como uma função hereditária. Em seus escritos particulares, entretanto, ele parece crer em um acesso da mente a uma fonte espiritual coletiva. (...). O relacionamento com o inconsciente se revela uma dialética de contínuo desenvolvimento, cujo eixo se encontra fora de nós e que nos escapa sempre, mas que ainda assim nos estrutura e nos orienta. (BORTEN, 2001, p. 6-10)
Jung foi muito influenciado pelo conceito de polipsiquismo da escola de psiquiatria francesa do século XIX, isto é, a ideia de que a mente é o resultado do funcionamento de unidades semiautônomas, que ele denominou de complexos, e que, no caso de uma personalidade bem integrada, atuariam em sintonia, criando a unidade da psique. (BORTEN, 2001, p. 14)
Do outro lado da psicologia analítica, o grande defensor da atuação política é Andrew Samuels. Segundo ele, a única coisa e que os analistas são realmente bons é em conseguir que as pessoas expressem conscientemente o que já sabem inconscientemente, mas ainda não perceberam ou pensaram. Os analistas deveriam se aliar expressamente aos grupos marginais ou minorias, desvendando a experiência psicológica de ser um excluído. Eles poderiam ajudar a superar os estereótipos defensivos impostos pela cultura dominante, ao analisar a natureza e a existência da diferença em si, como é se sentir diferente, como é viver essa diferença. (BORTEN, 2001, p. 22)
(...). Esse modo de encarar o processo de individuação como uma crise aguda de grandes proporções, estimulada pelo analista, que começaria por uma nekyia, ou descida aos infernos, foi abolido na psicologia analítica a partir dos anos 70, quando várias práticas polemicas - entre elas a da Soror Mystica - foram abandonadas. (BORTEN, 2001, p. 23)
Para termos uma melhor ideia de quem foi Jung, é preciso ler, antes de tudo, o livro “Memórias, sonhos, reflexões”, parcialmente escrito por ele e completado, com base nos seus diário, por Aniella Jaffé. Que Jung é difícil de ler, talvez esta seja a única unanimidade a respeito de sua obra. Parte da dificuldade é a sua intenção de esconder ou minimizar o forte conteúdo espiritual presente na mesma. Uma associação com fenômenos espiritualistas levaria a uma acusação de ocultista, que representava, para a mentalidade então dominante, uma ideia de coisa doentia, louca, decadente, que poderia destruir sua credibilidade científica. Daí o cuidado com que evita termos que poderiam soar estranhos ou mesmo não científicos. Por exemplo, o que ele chama de imaginação ativa poderia ser entendido como transe mediúnico ou, diríamos hoje, estados alterados de consciência, mas este é um assunto que ele queria evitar a todo custo. A um leitor descuidado poderia parecer que ele está falando sempre de sonhos, mas analisando-se bem o texto, percebe-se que esta não é o caso.
Arquétipo é um termo que cobre várias situações diferentes na sua obra. Em algumas situações, o termo se refere às próprias imagens arcaicas, em outras a predisposições atemporais, são determinantes teleológicos, afetando o desenvolvimento da psique como atratores estranhos. Em algumas passagens do texto, contudo, não há como evitar a estranha sensação de que o termo ativação de arquétipos poderia ser substituído por possessão por espíritos.
Mais uma vez nos deparamos com a famosa ambiguidade de Jung e suas tentativas de esconder uma conexão espiritualista. Essa ambiguidade ocasional, que afinal ele mesmo admitiu ter empregado, exige um trabalho de releitura. É preciso lembrar que até o final da vida ele repudiava com veemência o epíteto de místico. As dificuldades não param nisto. Para provar suas ideias, ele normalmente não usa um simples raciocínio dedutivo, mas algo que poderíamos chamar de processo de ilustração. Cita uma longa sequência de analogias e exemplos, similares à ideia original e, a um determinado momento, dá-se por satisfeito. O acúmulo de evidências paralelas parece ter sido suficiente para ele. O leitor fica com a estranha sensação de ter pulado o trecho do texto onde a ideia teria sido demonstrada. Isto pode parecer pouco científico para nós, mas não para a época, quando o modelo mais admirado de ciência era a arqueologia, não no sentido atual, mas à moda de Heinrich Schliemann, o descobridor de Tróia, que, munido de versos de Homero, pás e uma brilhante imaginação, julgou ter descoberto a Tróia da Ilíada. Sua mulher, Sophia, desfilava nos melhores salões da Europa usando as joias encontradas nas escavações, que Schliemann jurava, mesmo sem provas convincentes, terem pertencido à Helena de Tróia. A atuação de uma mente ousada, aventureira e especulativa, parecia naturalmente científica para os contemporâneos de Jung e Freud. (...). (BORTEN, 2001, p. 25-7