[Anotações sobre o vídeo “Aula 2: Constituição do Sujeito - Parte 1: Estádio do Espelho” da Profª Helena Amstalden Imanishi] SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PARA A PSICANÁLISE LACANIANA: Pelo menos dois conceitos fundamentais: o estádio do espelho e os três tempos do Édipo. Constituição e não desenvolvimento, porque esses tempos não referem apenas etapas no desenvolvimento da criança, mas sim posições que tem uma sequência mais lógica do que cronológica. Também servem de modelos para estruturar as experiencias futuras e a gente pensar vários fenômenos humanos. SURGIMENTO DO EU: Como se inicia a vida psíquica? É um mundo instável. O início da vida psíquica parte de um estado de indiferenciação do recém-nascido, que não tem consciência de sua própria existência. “Uma unidade comparável ao eu não existe desde o princípio, no entanto, as pulsões autoeróticas estão presentes desde o início, e é necessário supor uma nova ação psíquica para o surgimento do eu” (Freud, 1914). É sobre essas questões que o Lacan se debruça em 1936 e desenvolve o conceito de estádio de espelho. É fácil observar o fascínio das crianças diante do espelho. Esse fascínio tem alguma raiz psicológica? Henri Wallon desenvolve uma série de trabalhos explorando a experiência da criança diante do espelho passando a distinguir seu próprio corpo da imagem refletida. Rito de passagem que tem início entre os 6 e 8 meses de vida e definiria de forma exemplar o eixo exterior do corpo. As dificuldades pela qual a criança passa até conseguir se apropriar de uma imagem total de si. Um ato de inteligência no qual a criança precisa se desdobrar em dois (aquela imagem sou eu mas ao mesmo tempo não sou eu). Para Lacan, essa ação psíquica que daria origem ao [eu] ocorre quando ele se identificasse com uma imagem, e essa primeira imagem que vem a organizar esse eu é a do próprio corpo. Um eu imagem que tem função urgente, porém inicial, de diferenciar o eu do outro, o interno do externo, que permite a criança se organizar num mundo de objetos. Esse eu imagem ainda que primitivo e primordial constitui o primeiro contorno psíquico da criança que permite diferenciar o dentro e o fora. Essa imagem lhe é dada como uma Gestalt, uma totalidade. O encontro e identificação com essa imagem é da ordem do jubilo, do fascínio. É do conceito psicanalítico freudiano do narcisismo primário que Lacan parte. Narcisismo primário: surgimento do eu e primeiro objeto que será tomado de amor pela criança. Daí o valor de Eu ideal que Lacan atribui a essa imagem. O estádio do espelho marca essa passagem de um corpo, da experiência de um corpo despedaçado para a imagem unificada do corpo. Essa experiência de um corpo despedaçado se revela em alguns fenômenos, como na psicose, principalmente nos casos de esquizofrenia. Nos sonhos ou em mudanças repentinas de nossa imagem corporal (adolescência, envelhecimento, etc.) são outra experiencias que geram a sensação de despersonalização. O estádio do espelho seria essa primeira identificação do eu entorno do primeiro objeto, que é a imagem do próprio corpo. Com base nessa primeira identificação, vamos incorporando outras imagens e outros traços, formando uma espécie de ficção que se chama eu, que precisa ser recriada e reinventada ao longo da vida. Uma ficção que nos representa, que nos dá uma sensação de totalidade, mas sempre algo de nós fica de fora nessas representações. Nasce já aí muito cedo, antes mesmo da linguagem e do domínio total do corpo, o princípio do sujeito dividido da Psicanálise. Dividido entre um sujeito do inconsciente (Je) e sua imagem (moi). A ALIENAÇÃO FUNDAMENTAL SOB A QUAL O EU SE CONSTITUI: Lacan salienta muito a importância do outro, no processo de constituição do sujeito, em dois níveis. Primeiro, o pequeno outro (a), aquele cuja imagem vista de fora dá um domínio imaginário ao corpo do infans. Charlotte Buhler descreve o transitivismo infantil, fenômeno que fala da confusão inicial da criança pequena do que é a experiência dela e o que é a experiência do outro. O outro é a imagem ideal introjetada que a criança quer realizar. Um jogo especular. “No sentido de que o sujeito se identifica, em seu sentimento de si, com a imagem do outro, e de que a imagem do outro vem cativar nele este sentimento” (Lacan, 1950). Por isso, a constituição do eu é alienante. Essa imagem de corpo unificada, essa imagem ideal dada ao indivíduo como uma Gestalt, aliena o individuo na medida que é descoberta fora, no espelho, e não no próprio corpo do sujeito. O segundo nível é o do grande Outro (A). Três grandes categorias articuladas que comporiam nossas experiências e a realidade humana: o Real, o Simbólico e o Imaginário. O imaginário corresponde às identificações. Este eu imagem, deste outro semelhante, com quem estabeleço uma relação especular, que se apresenta muitas vezes a partir de uma imagem ideal, com a qual me identifico e quero realizar. Já o grande Outro (A) é o registro do simbólico, que insere a criança numa estrutura. Por exemplo, quando a mãe se refere ao infans como “meu filho”, ela insere essa criança numa cadeia e estrutura simbólica que não é criação de um indivíduo singular. Garantir uma posição simbólica é inserir a criança em uma estrutura que antecede e ultrapassa a díade mãe-bebê. No estádio do espelho, esse lugar simbólico é mais elementar, mais fundamental, é inserir a criança no mundo dos humanos. “O Outro da linguagem em seu nível mais elementar, ligado às primeiras experiências, que é de assegurar que somos, e nada mais” (Lacan, 1950). Quem é esse grande Outro? Ele é um lugar encarnado pelos pequenos outros, por toda alteridade. A construção da própria imagem é sempre mediada pela ação e presença desse outro que precisa falar pela criança antes que ela possa falar, que precisa desejar por ela, que precisa interpretá-la, que precisa significar seu desejo. Sem esse grande Outro, sem os significantes desse Outro, a criança sequer pode sustentar sua posição narcísica, jubilatória e especular.
Professora, muito obrigada! De forma clara e didática, você nos alcança com a sua explicação e media a ideia de que os conceitos referentes à psicanálise podem ser compreendidos por quem desejar.
Muito obrigada pelo comentário! Caso se interesse por estes temas - psicologia, psicanálise - te convido a se inscrever no canal e me seguir lá no Instagram @drahelena_imanishi. Abraços!
Você realmente me salvou com essa explicação tinham um seminário e eu fiquei com essa parte pra explicar e não estava entendo essa parte do 'EU' e o 'OUTRO' muito obrigada pela explicação
O espelho real não deve ser confundido com o conceito do “estádio do espelho”. A experiência da criança pequena diante do espelho deve ser pensada como um exemplo do que se passa na constituição do sujeito e até como uma metáfora. Se quiser, tem um artigo meu publicado e a minha tese nos quais falo sobre isso. Abraços
Obrigada professora pela forma clara e didática de ensinar ,Tania de Minas Gerais
Eu quem agradeço o comentário! Que bom ter ajudado!
Vídeo muito bom!! Excelente explicação. Agradeço muito e peço que nunca tire do ar kkkkk Vou guardá-lo muito bem comigo.
Suas explicações são incríveis mesmo parabéns 👏👏👏👏
Excelente! Explicação facilitada pela ponte com as experiências pessoais facilitando a compreensão. Simplificar Lacan é uma arte!
Parabéns pelo conteúdo. Como fica o Estádio do espelho em pessoas que nasceram cegas? 👂
A melhor explicação que vi até hoje. ❤
Obrigada!
[Anotações sobre o vídeo “Aula 2: Constituição do Sujeito - Parte 1: Estádio do Espelho” da Profª Helena Amstalden Imanishi]
SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PARA A PSICANÁLISE LACANIANA:
Pelo menos dois conceitos fundamentais: o estádio do espelho e os três tempos do Édipo.
Constituição e não desenvolvimento, porque esses tempos não referem apenas etapas no desenvolvimento da criança, mas sim posições que tem uma sequência mais lógica do que cronológica. Também servem de modelos para estruturar as experiencias futuras e a gente pensar vários fenômenos humanos.
SURGIMENTO DO EU: Como se inicia a vida psíquica? É um mundo instável. O início da vida psíquica parte de um estado de indiferenciação do recém-nascido, que não tem consciência de sua própria existência.
“Uma unidade comparável ao eu não existe desde o princípio, no entanto, as pulsões autoeróticas estão presentes desde o início, e é necessário supor uma nova ação psíquica para o surgimento do eu” (Freud, 1914).
É sobre essas questões que o Lacan se debruça em 1936 e desenvolve o conceito de estádio de espelho.
É fácil observar o fascínio das crianças diante do espelho. Esse fascínio tem alguma raiz psicológica? Henri Wallon desenvolve uma série de trabalhos explorando a experiência da criança diante do espelho passando a distinguir seu próprio corpo da imagem refletida. Rito de passagem que tem início entre os 6 e 8 meses de vida e definiria de forma exemplar o eixo exterior do corpo. As dificuldades pela qual a criança passa até conseguir se apropriar de uma imagem total de si. Um ato de inteligência no qual a criança precisa se desdobrar em dois (aquela imagem sou eu mas ao mesmo tempo não sou eu).
Para Lacan, essa ação psíquica que daria origem ao [eu] ocorre quando ele se identificasse com uma imagem, e essa primeira imagem que vem a organizar esse eu é a do próprio corpo. Um eu imagem que tem função urgente, porém inicial, de diferenciar o eu do outro, o interno do externo, que permite a criança se organizar num mundo de objetos. Esse eu imagem ainda que primitivo e primordial constitui o primeiro contorno psíquico da criança que permite diferenciar o dentro e o fora. Essa imagem lhe é dada como uma Gestalt, uma totalidade.
O encontro e identificação com essa imagem é da ordem do jubilo, do fascínio. É do conceito psicanalítico freudiano do narcisismo primário que Lacan parte. Narcisismo primário: surgimento do eu e primeiro objeto que será tomado de amor pela criança. Daí o valor de Eu ideal que Lacan atribui a essa imagem.
O estádio do espelho marca essa passagem de um corpo, da experiência de um corpo despedaçado para a imagem unificada do corpo. Essa experiência de um corpo despedaçado se revela em alguns fenômenos, como na psicose, principalmente nos casos de esquizofrenia. Nos sonhos ou em mudanças repentinas de nossa imagem corporal (adolescência, envelhecimento, etc.) são outra experiencias que geram a sensação de despersonalização.
O estádio do espelho seria essa primeira identificação do eu entorno do primeiro objeto, que é a imagem do próprio corpo. Com base nessa primeira identificação, vamos incorporando outras imagens e outros traços, formando uma espécie de ficção que se chama eu, que precisa ser recriada e reinventada ao longo da vida. Uma ficção que nos representa, que nos dá uma sensação de totalidade, mas sempre algo de nós fica de fora nessas representações. Nasce já aí muito cedo, antes mesmo da linguagem e do domínio total do corpo, o princípio do sujeito dividido da Psicanálise. Dividido entre um sujeito do inconsciente (Je) e sua imagem (moi).
A ALIENAÇÃO FUNDAMENTAL SOB A QUAL O EU SE CONSTITUI:
Lacan salienta muito a importância do outro, no processo de constituição do sujeito, em dois níveis. Primeiro, o pequeno outro (a), aquele cuja imagem vista de fora dá um domínio imaginário ao corpo do infans. Charlotte Buhler descreve o transitivismo infantil, fenômeno que fala da confusão inicial da criança pequena do que é a experiência dela e o que é a experiência do outro. O outro é a imagem ideal introjetada que a criança quer realizar. Um jogo especular. “No sentido de que o sujeito se identifica, em seu sentimento de si, com a imagem do outro, e de que a imagem do outro vem cativar nele este sentimento” (Lacan, 1950). Por isso, a constituição do eu é alienante. Essa imagem de corpo unificada, essa imagem ideal dada ao indivíduo como uma Gestalt, aliena o individuo na medida que é descoberta fora, no espelho, e não no próprio corpo do sujeito.
O segundo nível é o do grande Outro (A). Três grandes categorias articuladas que comporiam nossas experiências e a realidade humana: o Real, o Simbólico e o Imaginário. O imaginário corresponde às identificações. Este eu imagem, deste outro semelhante, com quem estabeleço uma relação especular, que se apresenta muitas vezes a partir de uma imagem ideal, com a qual me identifico e quero realizar. Já o grande Outro (A) é o registro do simbólico, que insere a criança numa estrutura. Por exemplo, quando a mãe se refere ao infans como “meu filho”, ela insere essa criança numa cadeia e estrutura simbólica que não é criação de um indivíduo singular. Garantir uma posição simbólica é inserir a criança em uma estrutura que antecede e ultrapassa a díade mãe-bebê. No estádio do espelho, esse lugar simbólico é mais elementar, mais fundamental, é inserir a criança no mundo dos humanos. “O Outro da linguagem em seu nível mais elementar, ligado às primeiras experiências, que é de assegurar que somos, e nada mais” (Lacan, 1950). Quem é esse grande Outro? Ele é um lugar encarnado pelos pequenos outros, por toda alteridade. A construção da própria imagem é sempre mediada pela ação e presença desse outro que precisa falar pela criança antes que ela possa falar, que precisa desejar por ela, que precisa interpretá-la, que precisa significar seu desejo. Sem esse grande Outro, sem os significantes desse Outro, a criança sequer pode sustentar sua posição narcísica, jubilatória e especular.
Professora, muito obrigada! De forma clara e didática, você nos alcança com a sua explicação e media a ideia de que os conceitos referentes à psicanálise podem ser compreendidos por quem desejar.
👏🏼👏🏼👏🏼 muito obrigada! Mergulhando no seu conteúdo. Muito didático!
Tô maravilhada com sua explicação simples e objetiva. Obrigado por sua dedicação para nos ajudar entender e aprender.
Muito obrigada pelo comentário! Caso se interesse por estes temas - psicologia, psicanálise - te convido a se inscrever no canal e me seguir lá no Instagram @drahelena_imanishi. Abraços!
Excelente explicação! Clara! Muito obrigada!
Obrigada pelo comentário!
Que aula maravilhosa, estou levando para sala de aulas eestou tendo muito bons resultados.
Grande professoras e mestre !! 👏🏻👏🏻👏🏻
Excelente. Parabens pela clareza
👏🏽👏🏽 Estou adorando seus vídeos. Saudades das suas aulas.
Excepcional! Obrigada!
Você realmente me salvou com essa explicação tinham um seminário e eu fiquei com essa parte pra explicar e não estava entendo essa parte do 'EU' e o 'OUTRO' muito obrigada pela explicação
Que didática! Parabéns!
Muito didático! Excelente! Estou me preparando para uma prova e seu conteúdo tem me ajudado demais!
Que vídeo incrível!
Mais um excelente vídeo. Obrigado professora
Obrigada Alexandre!
Ótimo vídeo! Parabéns pelo canal, está muito legal
Obrigada Mathias!
👏👏👏👏
Que explicação clara !!!👏👏👏
😂😂pámelá
Eu
Si
Oi
😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂
Mas e na época que existia espelho?
O espelho real não deve ser confundido com o conceito do “estádio do espelho”. A experiência da criança pequena diante do espelho deve ser pensada como um exemplo do que se passa na constituição do sujeito e até como uma metáfora. Se quiser, tem um artigo meu publicado e a minha tese nos quais falo sobre isso. Abraços
@@helenaamstaldenimanishi6460professora pode mandar seu artigo?