Percebi que você já citou várias vezes Sherlock Hound nesse canal acho que merecia um vídeo dedicado a ele nem que fosse de 15 minutos (eu assistiria ele com muito prazer mesmo assim) continue produzindo seus vídeos é uma emoção quando sai eles algum dia eu amo ver permaneça com esse trabalho maravilhoso ❤️
Meu amigo, tive de pausar o video (estava vendo na tv) e vir aqui te parabenizar...seu conteúdo parece uma aula, mas no melhor dos sentidos...trazem conhecimento e uma dinâmica que renovam aquele sentimento que todos que amam animação as vezes deixam cair no esquecimento. Obrigado.
Eu leio sobre Miyazaki desde o início da extinta revista Anime-Do. Não sei se alguém ainda se lembra dela hoje, mas até o início dos anos 2000, mais ou menos, tudo que a gente sabia de anime era nessas revistas especializadas e nos VHS da vida. Depois foi quando a internet se popularizou no Brasil e a informação se tornou mais acessível.
vejo muito vídeos sobre como walt disney revolucionou a animação como um todo, com todas asquelas técnicas empregadas em mickey e principalmente em Branca de Neve e os sete anões. mas a animação japonesa também revolucionou, cada um com seu cada um. porém fica a dúvida: quem foram os reais pioneiros da animação hoje conhecida por ser cinematográfica e artisticamente bela? walt disney ou hayao miyazaki / takahata?
Cara, o vídeo é interessante, mas eu sempre fico com um pé atrás quando se coloca ou elege um inovador em termos de anime e mangá porque raramente os pioneiros existem em isolado e, apesar de não ter lido o artigo referenciado ainda, aqui não parece ser muito diferente. Quando se fala em mise én cene e bloqueio (o primeiro pronuncia-se "mizancene"), sim, dá pra argumentar que o trabalho de Takahata e Miyazaki é mais sofisticado, mas deslegitimar o que veio antes deles como não sendo "cinema" de verdade é um tanto complicado e isso dá pra problematizar em certo grau. Um exemplo é quando você ouve por aí que a estrutura de três atos é a melhor porque os gregos a utilizavam. Ou seja, isso coloca quem segue essa estrutura como seguidor de uma grande tradição ocidental, portanto, sendo parte dela, desvalorizando outras visões sobre narrativa, portanto, desvalorizando outras culturas. Quando a gente fala de teóricos ocidentais versando sobre Ghibli, uma visão comum é superestimar as contribuições do estúdio ou de seus envolvidos porque tem a ver com uma reapropriação de correntes culturais que serve propósitos políticos ocidentais. O Peter Chung fala sobre essa ideia de “critério realista” e de “prevalência da dimensão sintática, da estética” quando fala dos primeiros momentos que conheceu a obra do diretor de animação Dezaki Osamu em “Space Adventure Cobra”: “É um pecado mortal em animação clássica do estilo Disney deixar seu público perceber que eles estão olhando para um desenho. Você está sempre tentando esconder o fato que esses personagens são feitos de uma série de desenhos a todo momento. Quando eu trabalhava nos estúdios da Disney, eu era muito empolgado em relação a várias animações japonesas que consumia e tentei compartilhá-las com alguns animadores americanos e pela maior parte do tempo, eles estavam indiferentes. O único que eles se engajavam era o Miyazaki. E, eu devo deixar registrado, na verdade, que a primeira vez que o John Lasseter viu uma animação do Miyazaki foi quando eu trouxe algumas fitas VHS para os Estúdios da Disney e mostrei a muitos desses caras os filmes do Miyazaki pela primeira vez. Foi o primeiro contato que eles tiveram.” Cabe notar, como você deve saber, que podemos a grosso modo, dividir a animação 2d em duas abordagens: a abordagem abstrata, plana e não naturalista (UPA sendo o modelo mais preemente) e a abordagem naturalista, focada em reproduzir as regras do desenho renascentista com a aplicação da perspectiva sobre as formas tridimensionais, criando uma ilusão de realidade e espaço (Ghibli e Disney sendo os modelos mais expressivos) e via de regra, devido a uma série de questões culturais, trabalhistas, políticas de de influência de direção de arte e senso estético do Walt Disney, a primeira costuma ser pouco valorizada quando comparada com a segunda, como o Peter Chung revela. Ou seja, ainda que digam que valorizam as contribuições dos fundadores do Ghibli porque são evoluções da filosofia de estúdios ocidentais como a Disney, o Ghibli é supervalorizado justamente porque em parte, atende a essas formações de gostos ocidentais. Repare como essa fala da introdução de cinematografia ignora os trabalhos anteriores como sendo uma abordagem cinematográfica válida, tanto para a filmagem, quanto para a animação. Ou seja, mesmo que valorizem aquilo que não é ocidental em produções orientais, alguns teóricos o fazem ainda com uma mente ocidental, formada por gostos ocidentais, embora não sempre. Cabe ainda notar, ainda que embora a questão da animação secundária em personagens de fundo seja uma característica forte das ideias de Takahata e Miyazaki, eles o fazem por um motivo: esses dois surgiram na época do auge da popularidade da Teoria da Montagem do Einseinstein (que foi forte no Japão por uma questão política, longa história) e da animação limitada da Toei, ambas medidas que focam mais em compressão de momentos e filmagens do que em descompressão e você consegue achar artigos falando sobre como a ideia deles era de se mover mais para a descompressão apesar das limitações trabalhistas/técnicas/tecnológicas/políticas dos estúdios da época. Então progredir para um estilo de animação que evita essas limitações criativas é o ímpeto deles justamente porque na época de crescimento e interesse deles, eles foram muito limitados em termos de técnica. Apesar de Takahata ser fã de cinema europeu e literatura francesa e do Miyazaki gostar de animação europeia, as condições de trabalho e culturais da indústria japonesa da época também eram fatores para a consolidação do estilo de ambos. Logo, essa ideia de "verdadeiro cinema" de "Agora, sim, a animação é cinema também" ignora que uma mise én cene plana é tão válida quanto uma mise én cene tridimensional, depende do uso e da aplicação, a que ela serve a narrativa. Ignora também que outros diretores como Mamoru Oshii, que é influenciado por Tarkovsky, incorpora pausas e momentos em que pouca coisa acontece e essa abordagem é tão cinema quanto. Se você for notar que uma das influências declaradas do Miyazaki além dos livros infantis que ele lê é Akira Kurosawa (que era um dos diretores nipônicos com um estilo mais influenciado por cinema ocidental da sua geração) aí você entende o quão problemática essa fala é. Não seria o trabalho de Anne Lotte um cinema falso também segundo esses critérios? E não seria o bloqueio um dos 12 princípios dos animadores da Era Clássica, intimamente ligado à noção de mise én cene, portanto, constitucional para o desenvolvimento mundial da arte da animação? E "A Branca de Neve"? Este último, influenciou até Cidadão Kane, um marco do cinema americano e ocidental de 1947, justamente na cena de abertura, que é copiada por Orson Welles em Kane. Não seria o uso de técnicas de montagem através da fusão como vista em Branca de Neve um uso válido da linguagem cinematográfica também? Quando você pega também o fato que é um francês falando sobre dois francófilos famosos confessos e os mais expoentes da animação japonesa para um público leigo, não dá pra desconfiar também há algo de político nessa afirmação. "Esses dois bastiões da excelência influenciados por animações francesas são o cinema de verdade, logo eu, que me influencio por eles, também sou cinema de verdade". Enquanto a planura de alguns animes anteriores remonta a tradições japonesas do Kamishibai, teatro de sombras e de algumas gravuras e pinturas japonesas, a tridimensionalidade é um critério valorizado mais sob óticas ocidentais, não dá pra ignorar isso, também. Enfim, o vídeo é bom, mas discordo dele por esses motivos aí.
Obrigado pelo seu comentário, ele traz alguns pontos interessantes. Primeiro, percebo que você está encarando “cinema” como um valor, o que não é a minha abordagem. Não estou hierarquizando artes, mas classificando novas abordagens que foram introduzidas nos animes. A Toei Doga, por exemplo, começou a trazer aos poucos conceitos do cinema para a animação 2D, e Takahata, em especial, encontrou uma nova maneira de dirigir, diferente de animadores como Mori e Daikuhara, porque ele não era um animador. Um estilo (esse da Toei Doga) algo também feito pela disney: um filme feito por e para animadores. Quando você menciona Oshii, gostaria que usasse mais exemplos tangíveis, pois ele começou sua carreira DEPOIS de Takahata. Então, a referência que você traz não está alinhada com o que estou discutindo. E não existe “tão cinema quanto”. A partir dos anos 70-80, essa analise que faço, dessa diferenciação, deixou de fazer sentido no contexto do anime. O que Miyazaki e Takahata fizeram influenciou e foi transformado por outros diretores, não é uma corrente isolada. E estou analisando isso a partir de relatos dos próprios diretores e críticos japoneses, não com uma perspectiva de autores ocidentais. Quando comparo com a animação de outras partes do mundo, baseio-me na visão de um diretor francês que acredito oferecer uma perspectiva bem articulada e critica sobre seu próprio cinema. Claro, isso passa pelo meu viés ocidental, mas procurei construir a análise da forma mais honesta possível. Estou fazendo um recorte específico de tempo e expandindo para entender o estilo de direção de Miyazaki e Takahata. Portanto, o seu argumento sobre “Lotte ser um cinema falso…” não se aplica ao que estou abordando. Não estou validando ou invalidando um tipo de cinema, mas avaliando UMA NOVA ABORDAGEM. Antes de “Horus”, nada parecido existia, e ele abriu espaço para referências além do que a Disney fazia. Esse é o meu ponto central, que talvez eu não tenha conseguido comunicar com clareza como achei. O exemplo de Branca de Neve é interessante porque é justamente o meu ponto mas visto por outra perspectiva. Orson Welles, em “Cidadão Kane”, bebeu da estética ilustrativa de “Branca de Neve” (menciono isso no vídeo da próxima semana) o que é uma estética claramente “animação de conto de fadas”. Sobre os 12 princípios, nenhuma técnica existe isoladamente no espaço/tempo. A redução de frames e a animação em 3s já existiam nos anos 60, então porque existe um estilo-Yoshinori Kanada? Pq ele criou um estilo próprio, combinando com outras técnicas, como poses específicas e a linguagem visual dos animes da época. O próprio “squash and stretch” evoluiu de forma tão única na Toei Doga e nos animes dos anos 70-80 que o conceito passou a ser entendido de maneira diferente por animadores japoneses. Uma técnica muda e não é usado da mesma forma por pessoas de dois lugares diferentes do mundo. Quanto à afirmação de um diretor FRANCÊS sobre a animação FRANCESA precisar tentar produzir mais visuais menos fotorrealistas iguais aos animes (não apenas a Miyazaki e Takahata), vejo isso como uma análise honesta. Mesmo que contenha algum grau de politização, considero válida e coerente. E, mais uma vez, não menciono “cinema verdadeiro”. Envolve mais um sendo de cinematografia e mais estilização. Por fim, sobre tridimensionalidade, o trabalho de Miyazaki não se define por isso. Eles são profundamente estilizados e vão muito além de um fazer de arte formal. E nesse assunto, é natural que as obras de Miyazaki e do Studio Ghibli chame mais atenção de profissionais ocidentais. Um exemplo semelhante é a reação de alguns dos nine old men ao verem o filme “Jarinko Chie” de Takahata. Isso se deve ao fato de que a primeira geração de animadores japoneses aprendeu com a Disney clássica, mas Takahata, a partir do que abordo no vídeo, vai além ao incorporar elementos do cinema e da estética de diretores japoneses. Mesmo em início de carreira, sua obra evoluiu para refletir cada vez mais um estilo genuinamente japonês, sem jamais perder as bases herdadas de seus mestres. Espero ter respondido a todos os pontos, mas caso tenha deixado algo confuso ou faltando (seu texto foi bem grande afinal), por favor, me avise.
@@estudoanimacao Ah, não, sua resposta foi muito elucidativa! Ótimos cotrapontos que vendo agora eu concordo, só vou retificar algumas coisas que eu disse. Sobre toda a influência do Takahata e Miyazaki sobre a indústria, não dá pra negar, afinal eles refinaram o sistema de layouts que é usado até hoje. Encarando isso como uma nova abordagem, de fato, não há o que rebater. Sobre cinema como um valor, de fato, foi minha impressão sobre a ideia geral do vídeo, até porque estamos acostumados a um discurso que pode permear tanto estudiosos quanto leigos que "arte é um valor qualitativo" o que não leva em conta o fato que arte ruim é tão arte quanto arte boa, mas isso é uma tangente. Peço desculpas se soei acusatório. De fato, a tridimensionalidade apenas não define o trabalho do Miyazaki, tampouco limita sua constituição formal como bem apontado pelo vídeo: a minuciosidade do diretor, sua parceria com a designer de cores habitual (cujo nome me esqueço), bem como os temas recorrentes definem muito do seu estilo, porém como dito em mais detalhes pelo próprio Peter Chung, o fato de serem desenhos estilizados ou não, não impede a abordagem de considerá-los desenhos sólidos como algo preferível em vez de se aproveitar da planura e bidimensionalidade própria da mídia, como os postcard memories. Você deve ter lido o post do Animation Obsessive sobre Mary Blair e Disney para saber mais ou menos o que quero dizer. Por fim, de fato, não se menciona um "cinema verdadeiro", e não disse que a crítica não é honesta apesar de ter seu quê de política. Essas coisas podem muito bem ser inconscientes. Mesmo meu comentário pode ser criticado como uma espécie de paternalismo por parte de japoneses, a depender da abordagem crítica. Sobre Oshii, de fato, é uma comparação anacrônica, porém uma dicotomia exposta nas referências e no vídeo faz a relação entre animação limitada e cinema, como se a primeira fosse uma antítese da segunda. Vejo agora pelo seu texto que não é uma questão de antítese, de lados opostos, mas de uma comparação simples. Daí a comparação anacrônica: algumas animações antigas/experimentais se valiam de pausas e limitações para expressão, porém quando isso é retomado mais tarde por um diretor renomado como Oshii, esses resultados estilísticos são encarados como uma escolha válida em vez de uma limitação e esse era mais ou menos o meu ponto ao trazer Oshii à baila. Por fim, sobre os 12 princípios (aí eu deveria ter discorrido melhor) era simplesmente uma questão de trazer o fato de que como um dos 12 princípios é bloqueio (staging/blocking) torna a produção de animação algo intrinsecamente ligada à mise én cene. Em suma, obrigado pelo tempo para responder meu comentário, não esperava isso, sabendo como é a vida de youtuber. Continue com o ótimo conteúdo (recomendo seus vídeos pros meus amigos sempre que posso).
Takahata é o meu diretor favorito de todos os tempos!
Seu trabalho é incrível, por favor continue trazendo novos conteúdos.
Seu canal foi um ótimo achado aqui no yt, infelizmente conteúdos tão bons assim pegam poucas views
muito bom o conteúdo irmão, gratidão por partilhar!
Percebi que você já citou várias vezes Sherlock Hound nesse canal acho que merecia um vídeo dedicado a ele nem que fosse de 15 minutos (eu assistiria ele com muito prazer mesmo assim) continue produzindo seus vídeos é uma emoção quando sai eles algum dia eu amo ver permaneça com esse trabalho maravilhoso ❤️
Meu amigo, tive de pausar o video (estava vendo na tv) e vir aqui te parabenizar...seu conteúdo parece uma aula, mas no melhor dos sentidos...trazem conhecimento e uma dinâmica que renovam aquele sentimento que todos que amam animação as vezes deixam cair no esquecimento. Obrigado.
Nossaaaa!! Fazia muito tempo que não via uma aula de cinematografia tão boa! Muito agradecida por compartilhar esses conhecimentos!
Vídeo incrível. Ótima pesquisa!
Ansioso pra acompanhar os próximos. :)
Eu leio sobre Miyazaki desde o início da extinta revista Anime-Do. Não sei se alguém ainda se lembra dela hoje, mas até o início dos anos 2000, mais ou menos, tudo que a gente sabia de anime era nessas revistas especializadas e nos VHS da vida. Depois foi quando a internet se popularizou no Brasil e a informação se tornou mais acessível.
Vídeo perfeito como sempre, espero ver algo sobre o Studio Gonzo! Abração!
Você agora é meu professor
Vídeo bem bacana.
ansioso pelo dia que vai lançar o e-book do Kanada
vejo muito vídeos sobre como walt disney revolucionou a animação como um todo, com todas asquelas técnicas empregadas em mickey e principalmente em Branca de Neve e os sete anões. mas a animação japonesa também revolucionou, cada um com seu cada um. porém fica a dúvida: quem foram os reais pioneiros da animação hoje conhecida por ser cinematográfica e artisticamente bela? walt disney ou hayao miyazaki / takahata?
Canal muito bom
Pq vc ainda não falou de yutaka Nakamura kkk fala um pouco do estilo de animação dele e técnica dele por favor 😊
Cara, o vídeo é interessante, mas eu sempre fico com um pé atrás quando se coloca ou elege um inovador em termos de anime e mangá porque raramente os pioneiros existem em isolado e, apesar de não ter lido o artigo referenciado ainda, aqui não parece ser muito diferente.
Quando se fala em mise én cene e bloqueio (o primeiro pronuncia-se "mizancene"), sim, dá pra argumentar que o trabalho de Takahata e Miyazaki é mais sofisticado, mas deslegitimar o que veio antes deles como não sendo "cinema" de verdade é um tanto complicado e isso dá pra problematizar em certo grau. Um exemplo é quando você ouve por aí que a estrutura de três atos é a melhor porque os gregos a utilizavam. Ou seja, isso coloca quem segue essa estrutura como seguidor de uma grande tradição ocidental, portanto, sendo parte dela, desvalorizando outras visões sobre narrativa, portanto, desvalorizando outras culturas.
Quando a gente fala de teóricos ocidentais versando sobre Ghibli, uma visão comum é superestimar as contribuições do estúdio ou de seus envolvidos porque tem a ver com uma reapropriação de correntes culturais que serve propósitos políticos ocidentais. O Peter Chung fala sobre essa ideia de “critério realista” e de “prevalência da dimensão sintática, da estética” quando fala dos primeiros momentos que conheceu a obra do diretor de animação Dezaki Osamu em “Space Adventure Cobra”:
“É um pecado mortal em animação clássica do estilo Disney deixar seu público perceber que eles estão olhando para um desenho. Você está sempre tentando esconder o fato que esses personagens são feitos de uma série de desenhos a todo momento. Quando eu trabalhava nos estúdios da Disney, eu era muito empolgado em relação a várias animações japonesas que consumia e tentei compartilhá-las com alguns animadores americanos e pela maior parte do tempo, eles estavam indiferentes.
O único que eles se engajavam era o Miyazaki. E, eu devo deixar registrado, na verdade, que a primeira vez que o John Lasseter viu uma animação do Miyazaki foi quando eu trouxe algumas fitas VHS para os Estúdios da Disney e mostrei a muitos desses caras os filmes do Miyazaki pela primeira vez. Foi o primeiro contato que eles tiveram.”
Cabe notar, como você deve saber, que podemos a grosso modo, dividir a animação 2d em duas abordagens: a abordagem abstrata, plana e não naturalista (UPA sendo o modelo mais preemente) e a abordagem naturalista, focada em reproduzir as regras do desenho renascentista com a aplicação da perspectiva sobre as formas tridimensionais, criando uma ilusão de realidade e espaço (Ghibli e Disney sendo os modelos mais expressivos) e via de regra, devido a uma série de questões culturais, trabalhistas, políticas de de influência de direção de arte e senso estético do Walt Disney, a primeira costuma ser pouco valorizada quando comparada com a segunda, como o Peter Chung revela.
Ou seja, ainda que digam que valorizam as contribuições dos fundadores do Ghibli porque são evoluções da filosofia de estúdios ocidentais como a Disney, o Ghibli é supervalorizado justamente porque em parte, atende a essas formações de gostos ocidentais. Repare como essa fala da introdução de cinematografia ignora os trabalhos anteriores como sendo uma abordagem cinematográfica válida, tanto para a filmagem, quanto para a animação. Ou seja, mesmo que valorizem aquilo que não é ocidental em produções orientais, alguns teóricos o fazem ainda com uma mente ocidental, formada por gostos ocidentais, embora não sempre.
Cabe ainda notar, ainda que embora a questão da animação secundária em personagens de fundo seja uma característica forte das ideias de Takahata e Miyazaki, eles o fazem por um motivo: esses dois surgiram na época do auge da popularidade da Teoria da Montagem do Einseinstein (que foi forte no Japão por uma questão política, longa história) e da animação limitada da Toei, ambas medidas que focam mais em compressão de momentos e filmagens do que em descompressão e você consegue achar artigos falando sobre como a ideia deles era de se mover mais para a descompressão apesar das limitações trabalhistas/técnicas/tecnológicas/políticas dos estúdios da época. Então progredir para um estilo de animação que evita essas limitações criativas é o ímpeto deles justamente porque na época de crescimento e interesse deles, eles foram muito limitados em termos de técnica.
Apesar de Takahata ser fã de cinema europeu e literatura francesa e do Miyazaki gostar de animação europeia, as condições de trabalho e culturais da indústria japonesa da época também eram fatores para a consolidação do estilo de ambos.
Logo, essa ideia de "verdadeiro cinema" de "Agora, sim, a animação é cinema também" ignora que uma mise én cene plana é tão válida quanto uma mise én cene tridimensional, depende do uso e da aplicação, a que ela serve a narrativa. Ignora também que outros diretores como Mamoru Oshii, que é influenciado por Tarkovsky, incorpora pausas e momentos em que pouca coisa acontece e essa abordagem é tão cinema quanto. Se você for notar que uma das influências declaradas do Miyazaki além dos livros infantis que ele lê é Akira Kurosawa (que era um dos diretores nipônicos com um estilo mais influenciado por cinema ocidental da sua geração) aí você entende o quão problemática essa fala é. Não seria o trabalho de Anne Lotte um cinema falso também segundo esses critérios? E não seria o bloqueio um dos 12 princípios dos animadores da Era Clássica, intimamente ligado à noção de mise én cene, portanto, constitucional para o desenvolvimento mundial da arte da animação? E "A Branca de Neve"? Este último, influenciou até Cidadão Kane, um marco do cinema americano e ocidental de 1947, justamente na cena de abertura, que é copiada por Orson Welles em Kane. Não seria o uso de técnicas de montagem através da fusão como vista em Branca de Neve um uso válido da linguagem cinematográfica também? Quando você pega também o fato que é um francês falando sobre dois francófilos famosos confessos e os mais expoentes da animação japonesa para um público leigo, não dá pra desconfiar também há algo de político nessa afirmação. "Esses dois bastiões da excelência influenciados por animações francesas são o cinema de verdade, logo eu, que me influencio por eles, também sou cinema de verdade". Enquanto a planura de alguns animes anteriores remonta a tradições japonesas do Kamishibai, teatro de sombras e de algumas gravuras e pinturas japonesas, a tridimensionalidade é um critério valorizado mais sob óticas ocidentais, não dá pra ignorar isso, também.
Enfim, o vídeo é bom, mas discordo dele por esses motivos aí.
Obrigado pelo seu comentário, ele traz alguns pontos interessantes. Primeiro, percebo que você está encarando “cinema” como um valor, o que não é a minha abordagem. Não estou hierarquizando artes, mas classificando novas abordagens que foram introduzidas nos animes. A Toei Doga, por exemplo, começou a trazer aos poucos conceitos do cinema para a animação 2D, e Takahata, em especial, encontrou uma nova maneira de dirigir, diferente de animadores como Mori e Daikuhara, porque ele não era um animador. Um estilo (esse da Toei Doga) algo também feito pela disney: um filme feito por e para animadores.
Quando você menciona Oshii, gostaria que usasse mais exemplos tangíveis, pois ele começou sua carreira DEPOIS de Takahata. Então, a referência que você traz não está alinhada com o que estou discutindo. E não existe “tão cinema quanto”. A partir dos anos 70-80, essa analise que faço, dessa diferenciação, deixou de fazer sentido no contexto do anime.
O que Miyazaki e Takahata fizeram influenciou e foi transformado por outros diretores, não é uma corrente isolada. E estou analisando isso a partir de relatos dos próprios diretores e críticos japoneses, não com uma perspectiva de autores ocidentais. Quando comparo com a animação de outras partes do mundo, baseio-me na visão de um diretor francês que acredito oferecer uma perspectiva bem articulada e critica sobre seu próprio cinema. Claro, isso passa pelo meu viés ocidental, mas procurei construir a análise da forma mais honesta possível. Estou fazendo um recorte específico de tempo e expandindo para entender o estilo de direção de Miyazaki e Takahata.
Portanto, o seu argumento sobre “Lotte ser um cinema falso…” não se aplica ao que estou abordando. Não estou validando ou invalidando um tipo de cinema, mas avaliando UMA NOVA ABORDAGEM. Antes de “Horus”, nada parecido existia, e ele abriu espaço para referências além do que a Disney fazia. Esse é o meu ponto central, que talvez eu não tenha conseguido comunicar com clareza como achei.
O exemplo de Branca de Neve é interessante porque é justamente o meu ponto mas visto por outra perspectiva. Orson Welles, em “Cidadão Kane”, bebeu da estética ilustrativa de “Branca de Neve” (menciono isso no vídeo da próxima semana) o que é uma estética claramente “animação de conto de fadas”.
Sobre os 12 princípios, nenhuma técnica existe isoladamente no espaço/tempo. A redução de frames e a animação em 3s já existiam nos anos 60, então porque existe um estilo-Yoshinori Kanada? Pq ele criou um estilo próprio, combinando com outras técnicas, como poses específicas e a linguagem visual dos animes da época. O próprio “squash and stretch” evoluiu de forma tão única na Toei Doga e nos animes dos anos 70-80 que o conceito passou a ser entendido de maneira diferente por animadores japoneses. Uma técnica muda e não é usado da mesma forma por pessoas de dois lugares diferentes do mundo.
Quanto à afirmação de um diretor FRANCÊS sobre a animação FRANCESA precisar tentar produzir mais visuais menos fotorrealistas iguais aos animes (não apenas a Miyazaki e Takahata), vejo isso como uma análise honesta. Mesmo que contenha algum grau de politização, considero válida e coerente. E, mais uma vez, não menciono “cinema verdadeiro”. Envolve mais um sendo de cinematografia e mais estilização.
Por fim, sobre tridimensionalidade, o trabalho de Miyazaki não se define por isso. Eles são profundamente estilizados e vão muito além de um fazer de arte formal. E nesse assunto, é natural que as obras de Miyazaki e do Studio Ghibli chame mais atenção de profissionais ocidentais. Um exemplo semelhante é a reação de alguns dos nine old men ao verem o filme “Jarinko Chie” de Takahata. Isso se deve ao fato de que a primeira geração de animadores japoneses aprendeu com a Disney clássica, mas Takahata, a partir do que abordo no vídeo, vai além ao incorporar elementos do cinema e da estética de diretores japoneses. Mesmo em início de carreira, sua obra evoluiu para refletir cada vez mais um estilo genuinamente japonês, sem jamais perder as bases herdadas de seus mestres.
Espero ter respondido a todos os pontos, mas caso tenha deixado algo confuso ou faltando (seu texto foi bem grande afinal), por favor, me avise.
@@estudoanimacao Ah, não, sua resposta foi muito elucidativa! Ótimos cotrapontos que vendo agora eu concordo, só vou retificar algumas coisas que eu disse.
Sobre toda a influência do Takahata e Miyazaki sobre a indústria, não dá pra negar, afinal eles refinaram o sistema de layouts que é usado até hoje. Encarando isso como uma nova abordagem, de fato, não há o que rebater.
Sobre cinema como um valor, de fato, foi minha impressão sobre a ideia geral do vídeo, até porque estamos acostumados a um discurso que pode permear tanto estudiosos quanto leigos que "arte é um valor qualitativo" o que não leva em conta o fato que arte ruim é tão arte quanto arte boa, mas isso é uma tangente. Peço desculpas se soei acusatório.
De fato, a tridimensionalidade apenas não define o trabalho do Miyazaki, tampouco limita sua constituição formal como bem apontado pelo vídeo: a minuciosidade do diretor, sua parceria com a designer de cores habitual (cujo nome me esqueço), bem como os temas recorrentes definem muito do seu estilo, porém como dito em mais detalhes pelo próprio Peter Chung, o fato de serem desenhos estilizados ou não, não impede a abordagem de considerá-los desenhos sólidos como algo preferível em vez de se aproveitar da planura e bidimensionalidade própria da mídia, como os postcard memories. Você deve ter lido o post do Animation Obsessive sobre Mary Blair e Disney para saber mais ou menos o que quero dizer.
Por fim, de fato, não se menciona um "cinema verdadeiro", e não disse que a crítica não é honesta apesar de ter seu quê de política. Essas coisas podem muito bem ser inconscientes. Mesmo meu comentário pode ser criticado como uma espécie de paternalismo por parte de japoneses, a depender da abordagem crítica.
Sobre Oshii, de fato, é uma comparação anacrônica, porém uma dicotomia exposta nas referências e no vídeo faz a relação entre animação limitada e cinema, como se a primeira fosse uma antítese da segunda. Vejo agora pelo seu texto que não é uma questão de antítese, de lados opostos, mas de uma comparação simples. Daí a comparação anacrônica: algumas animações antigas/experimentais se valiam de pausas e limitações para expressão, porém quando isso é retomado mais tarde por um diretor renomado como Oshii, esses resultados estilísticos são encarados como uma escolha válida em vez de uma limitação e esse era mais ou menos o meu ponto ao trazer Oshii à baila.
Por fim, sobre os 12 princípios (aí eu deveria ter discorrido melhor) era simplesmente uma questão de trazer o fato de que como um dos 12 princípios é bloqueio (staging/blocking) torna a produção de animação algo intrinsecamente ligada à mise én cene.
Em suma, obrigado pelo tempo para responder meu comentário, não esperava isso, sabendo como é a vida de youtuber. Continue com o ótimo conteúdo (recomendo seus vídeos pros meus amigos sempre que posso).
Eu apoio comentário longos, mas, caramba, isso foi quase uma página de Odisseia kkkkkkk
Salve, camarada!
Te desejo sorte com esse vídeo, porque o que o estúdio ghibli derruba de vídeo com cenas de filmes deles é PUTARIAAAAAA
Kkkkkkkkk sim, infelizmente por enquanto consigo fazer esses vídeos mas depois vai ser impossível