DOCUMENTÁRIO SOBRE INDEPENDÊNCIA
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- Опубліковано 10 гру 2024
- Origem e sentido de destino
O POVO, Vida&Arte, p.2, Fortaleza, 03/12/2024
Flávio Paiva
A primeira satisfação que tive quando assisti aos oito filmes da série “Independência”, realizada pelo Instituto Sol / Escambau, com recursos da Lei Paulo Gustavo (Lei 195/2022), foi a de que finalmente o município onde nasci, no sertão do Ceará, foi contemplado de forma sistêmica em uma produção audiovisual.
Com direção de Paulo Maranfon e Alex Meira (também diretor de fotografia) e pesquisa de Cinthia Medeiros, esses filmes revelam uma dinâmica social própria, descolada da subordinação a imperativos das ideologias territoriais que procuram apartar Independência da região dos Inhamuns.
Esse registro de percepções complementares valoriza a imagem de um espaço geográfico-cultural constituído por pessoas capazes de falar por si e de si. O leque de entrevistados é formado por gente da educação, da arte, do artesanato, das culturas populares, da religião, do comércio e de atividades liberais.
A cidade é apresentada em conceito sinóptico, com brilho, contornos e conexões do que pôde ser registrado durante os nove dias em que a equipe circulou pela sede e pelos distritos de Independência. O método de estímulo à refiguração por relatos de autoimagem tem nesses casos a força do realce de fragmentos da experiência imanente.
O documentário organiza bem os atributos das duas principais entidades não-governamentais de Independência, colocando lado a lado a Fundação Senhor Pires, entidade instituída pela elite tradicional do município, e o Espaço Cultural História Viva, organização da sociedade civil criada por educadoras e educadores locais.
A abordagem de aspectos da história do município, cujo nome tem origem no feito de piauienses, maranhenses e cearenses que, na Batalha do Jenipapo (PI) e no Cerco a Caxias (MA), evitaram, em 1823, que o Brasil perdesse a Amazônia para Portugal, soma-se nessa série às galerias de pinturas rupestres dos matacões do Sítio Paraíso, como plataformas de referências memoriais do município.
Esse rápido passeio que a série “Independência” faz pela bravura de antepassados e por resquícios de preexistência da humanidade é suficiente para trazer a noção de sentido de destino, de um passado que começa a se tornar parte de um presente em estado de descoberta, e que segue movendo-se em direção ao que virá a ser o município.
A riqueza desses filmes se dá também na forma com que é revelado o cotidiano da economia da base da pirâmide e das manifestações populares, como as quadrilhas juninas; tudo isso em paralelo com imagens do Reisado do Mestre Zé Augusto, de sapateado único, como expressão de permanência no assentamento da Cachoeira do Fogo.
A equipe de filmagens fez uma sondagem sobre quem as pessoas de Independência gostariam de indicar como personalidade de destaque do município para a série, e o nome mais citado foi o meu. Procurado pela produção, gravei um dos filmes da série, contando da minha infância, dos meus pais, de como fui educado e do tanto que me sinto pedaço daquele chão.
Os diretores incluíram nesse bloco a participação de uma criança, o Anthony Callery de Souza, de 6 anos, que interpretou a minha vida de menino. Ficou tudo muito bonito, leve, solto e dentro da paisagem afetiva que integra parte significativa das lembranças que tenho da minha infância. Esse filme foi enriquecido com depoimentos da minha mãe, Socorro Paiva, da minha ex-professora Cacilda Sales e dos agricultores Manezinho e Lisboa.