Artigo com objeções à palestra. Em 2013, Augustus Nicodemus Gomes Lopes, pastor presbiteriano, participou de uma palestra de cunho teológico e apologético, que, ao ser analisada, revela uma série de equívocos conceituais graves. Nesta análise, aponto alguns desses erros, que incluem definições equivocadas sobre ateísmo, deísmo, politeísmo e, surpreendentemente, até mesmo sobre o teísmo. Um dos primeiros equívocos cometidos pelo pastor é confundir ateísmo com deísmo. A visão de mundo que afirma que algum deus criou o mundo, mas não interfere é chamada de "deísmo", não ateísmo. Reformulando, a frase correta seria: o livro de Salmos, supostamente escrito por Davi, descreve um deísmo predominante em sua época, e não ateísmo. Ainda sobre ateísmo, o filósofo epicurista Filodemo, da antiguidade, o definia de três maneiras: primeiro, aqueles que afirmam que não se sabe se há deuses ou como eles são; segundo, aqueles que afirmam abertamente que deuses não existem; e terceiro, aqueles que sugerem de forma implícita a inexistência de deuses. O primeiro desses grupos hoje seria classificado como agnósticos, uma distinção importante para a compreensão dos debates contemporâneos sobre a existência de deuses. O ateísmo, como forma de pensamento, de fato levou tempo para se firmar como uma visão respeitável. Durante a antiguidade e a Idade Média, a crença religiosa dominava as vidas sociais e individuais. As sociedades eram profundamente ligadas à religiosidade, tornando qualquer forma de ceticismo algo arriscado e marginal. Entretanto, alguns filósofos desafiavam as explicações religiosas. Protágoras, por exemplo, expressava incertezas quanto à crença em deuses, e Anaxágoras tentava explicar fenômenos naturais, como a origem do Sol, sem recorrer a deidades específicas. Ainda que essas ideias não fossem ateístas no sentido estrito, revelam um proto-naturalismo em desenvolvimento. No período helenístico, pensadores como Teodoro de Cirene e Clitômaco também se destacaram por suas ideias que desafiavam a religião. Esses exemplos mostram que o pensamento ateísta evoluiu ao longo do tempo e não surgiu repentinamente na modernidade. Outro ponto que merece destaque é que os cristãos, nos primeiros séculos, foram rotulados como ateus pelos pagãos. De acordo com o cristão Taciano, os pagãos se referiam aos cristãos como "os mais ateus" por não aceitarem os deuses tradicionais. Mas essa acusação de ateísmo era comum. Os judeus, por exemplo, acusavam os egípcios de ateus. A etimologia do termo "ateu" vem do grego, em que "a" significa "sem" e "theos" significa "deus". Assim, ateu é alguém que não acredita em deuses. Essa ausência de crença pode ser categorizada em ateísmo negativo e ateísmo positivo. O ateísmo negativo descreve a ausência de crença em qualquer deus, enquanto o ateísmo positivo é a crença ativa na não existência de deuses. Essa distinção é essencial para uma crítica adequada ao ateísmo. Essa diferença se torna essencial já que, individualmente, nos posicionamos entre um e outro de acordo com a definição de deus. Se estivermos falando de um deus antropomorfo como Zeus, não hesitaríamos geralmente em posicionarmo-nos como ateístas positivos, pois há excelentes razões para não crermos em um ser com corpo que joga raios em humanos. Ao mesmo tempo, podemos ser ateístas negativos em relação ao deus de Espinoza, ou o deus da filosofia. Pessoalmente, considero-me ateu positivo em relação ao deus bíblico, o que discutirei em detalhes em outro artigo. É curioso que o pastor Nicodemus inclua o agnosticismo no campo do ateísmo, pois, na realidade, o agnóstico não nega nem aceita a existência de deuses. Isso torna o agnosticismo incompatível com o ateísmo positivo. Essa confusão demonstra a falta de lógica na argumentação apresentada na palestra. Outro erro grave é a definição do panteísmo. O panteísmo é a crença de que Deus é idêntico à natureza, algo claramente incompatível com o teísmo tradicional, que pressupõe um deus pessoal, onipotente e onisciente. No entanto, o panteísmo não pode ser considerado uma forma de ateísmo, como sugeriu Nicodemus. O budismo, por exemplo, que ele também citou de maneira equivocada, não é panteísta, mas sim uma religião não-teísta, pois não inclui a crença em um deus criador. Chegamos à parte mais cômica da palestra: Nicodemus afirma que o politeísmo é uma forma de ateísmo. Isso é um erro conceitual grosseiro. Religiões politeístas, como o hinduísmo, não adoram o deus israelita, Javé, mas isso não significa que não sejam teístas. Politeísmo é a crença em múltiplos deuses, não a negação de todos eles. Nicodemus parece desconsiderar que deuses como Vishnu e Krishna são deuses no hinduísmo, não seres menores. Finalmente, Nicodemus comete outro erro ao afirmar que o deísmo é um posicionamento ateísta. É evidente que deísmo e teísmo não são compatíveis. Na realidade, essas são posições opostas. O deísmo sustenta que um deus criou o mundo, mas não intervém mais nele, enquanto o teísmo afirma que um deus se envolve ativamente com o mundo e seus habitantes. Mesmo que o deísmo não apele para um deus revelado, isso não o torna uma forma de ateísmo. O pastor parece ignorar que as manifestações religiosas primitivas eram amplamente politeístas. As evidências sugerem que os primeiros israelitas também eram politeístas antes da introdução de Javé. O conceito de Javé surge apenas na Era do Bronze, o que contradiz a ideia de que o universo foi criado por ele nesse período. As manifestações religiosas anteriores ao judaísmo, bem como a própria evolução do monoteísmo, colocam o ônus da prova sobre os literalistas religiosos. Nicodemus também se coloca como autoridade na definição de ateísmo, mas faz o oposto do que os pagãos antigos faziam. Enquanto os pagãos acusavam os monoteístas de ateísmo por não aceitarem seus deuses, Nicodemus rotula de ateus aqueles que acreditam em mais de um deus ou em deuses diferentes do deus bíblico. Essa inversão de papéis demonstra o quão confuso é seu entendimento do tema. Como comentário final, vale destacar que Nicodemus, ao longo de sua palestra, confunde religiões pagãs com ateísmo, argumentando que quem não acredita no deus hebraico é ateu. Contudo, contradiz-se ao afirmar que a porcentagem de ateus é muito pequena, sem considerar adeptos de religiões politeístas, animistas ou deístas. Essa confusão revela a falta de rigor conceitual em seu discurso, comprometendo qualquer tentativa de crítica séria ao ateísmo.
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Artigo com objeções à palestra.
Em 2013, Augustus Nicodemus Gomes Lopes, pastor presbiteriano, participou de uma palestra de cunho teológico e apologético, que, ao ser analisada, revela uma série de equívocos conceituais graves. Nesta análise, aponto alguns desses erros, que incluem definições equivocadas sobre ateísmo, deísmo, politeísmo e, surpreendentemente, até mesmo sobre o teísmo.
Um dos primeiros equívocos cometidos pelo pastor é confundir ateísmo com deísmo. A visão de mundo que afirma que algum deus criou o mundo, mas não interfere é chamada de "deísmo", não ateísmo. Reformulando, a frase correta seria: o livro de Salmos, supostamente escrito por Davi, descreve um deísmo predominante em sua época, e não ateísmo.
Ainda sobre ateísmo, o filósofo epicurista Filodemo, da antiguidade, o definia de três maneiras: primeiro, aqueles que afirmam que não se sabe se há deuses ou como eles são; segundo, aqueles que afirmam abertamente que deuses não existem; e terceiro, aqueles que sugerem de forma implícita a inexistência de deuses. O primeiro desses grupos hoje seria classificado como agnósticos, uma distinção importante para a compreensão dos debates contemporâneos sobre a existência de deuses.
O ateísmo, como forma de pensamento, de fato levou tempo para se firmar como uma visão respeitável. Durante a antiguidade e a Idade Média, a crença religiosa dominava as vidas sociais e individuais. As sociedades eram profundamente ligadas à religiosidade, tornando qualquer forma de ceticismo algo arriscado e marginal. Entretanto, alguns filósofos desafiavam as explicações religiosas. Protágoras, por exemplo, expressava incertezas quanto à crença em deuses, e Anaxágoras tentava explicar fenômenos naturais, como a origem do Sol, sem recorrer a deidades específicas. Ainda que essas ideias não fossem ateístas no sentido estrito, revelam um proto-naturalismo em desenvolvimento.
No período helenístico, pensadores como Teodoro de Cirene e Clitômaco também se destacaram por suas ideias que desafiavam a religião. Esses exemplos mostram que o pensamento ateísta evoluiu ao longo do tempo e não surgiu repentinamente na modernidade.
Outro ponto que merece destaque é que os cristãos, nos primeiros séculos, foram rotulados como ateus pelos pagãos. De acordo com o cristão Taciano, os pagãos se referiam aos cristãos como "os mais ateus" por não aceitarem os deuses tradicionais. Mas essa acusação de ateísmo era comum. Os judeus, por exemplo, acusavam os egípcios de ateus. A etimologia do termo "ateu" vem do grego, em que "a" significa "sem" e "theos" significa "deus". Assim, ateu é alguém que não acredita em deuses.
Essa ausência de crença pode ser categorizada em ateísmo negativo e ateísmo positivo. O ateísmo negativo descreve a ausência de crença em qualquer deus, enquanto o ateísmo positivo é a crença ativa na não existência de deuses. Essa distinção é essencial para uma crítica adequada ao ateísmo. Essa diferença se torna essencial já que, individualmente, nos posicionamos entre um e outro de acordo com a definição de deus. Se estivermos falando de um deus antropomorfo como Zeus, não hesitaríamos geralmente em posicionarmo-nos como ateístas positivos, pois há excelentes razões para não crermos em um ser com corpo que joga raios em humanos. Ao mesmo tempo, podemos ser ateístas negativos em relação ao deus de Espinoza, ou o deus da filosofia. Pessoalmente, considero-me ateu positivo em relação ao deus bíblico, o que discutirei em detalhes em outro artigo.
É curioso que o pastor Nicodemus inclua o agnosticismo no campo do ateísmo, pois, na realidade, o agnóstico não nega nem aceita a existência de deuses. Isso torna o agnosticismo incompatível com o ateísmo positivo. Essa confusão demonstra a falta de lógica na argumentação apresentada na palestra.
Outro erro grave é a definição do panteísmo. O panteísmo é a crença de que Deus é idêntico à natureza, algo claramente incompatível com o teísmo tradicional, que pressupõe um deus pessoal, onipotente e onisciente. No entanto, o panteísmo não pode ser considerado uma forma de ateísmo, como sugeriu Nicodemus. O budismo, por exemplo, que ele também citou de maneira equivocada, não é panteísta, mas sim uma religião não-teísta, pois não inclui a crença em um deus criador.
Chegamos à parte mais cômica da palestra: Nicodemus afirma que o politeísmo é uma forma de ateísmo. Isso é um erro conceitual grosseiro. Religiões politeístas, como o hinduísmo, não adoram o deus israelita, Javé, mas isso não significa que não sejam teístas. Politeísmo é a crença em múltiplos deuses, não a negação de todos eles. Nicodemus parece desconsiderar que deuses como Vishnu e Krishna são deuses no hinduísmo, não seres menores.
Finalmente, Nicodemus comete outro erro ao afirmar que o deísmo é um posicionamento ateísta. É evidente que deísmo e teísmo não são compatíveis. Na realidade, essas são posições opostas. O deísmo sustenta que um deus criou o mundo, mas não intervém mais nele, enquanto o teísmo afirma que um deus se envolve ativamente com o mundo e seus habitantes. Mesmo que o deísmo não apele para um deus revelado, isso não o torna uma forma de ateísmo.
O pastor parece ignorar que as manifestações religiosas primitivas eram amplamente politeístas. As evidências sugerem que os primeiros israelitas também eram politeístas antes da introdução de Javé. O conceito de Javé surge apenas na Era do Bronze, o que contradiz a ideia de que o universo foi criado por ele nesse período. As manifestações religiosas anteriores ao judaísmo, bem como a própria evolução do monoteísmo, colocam o ônus da prova sobre os literalistas religiosos.
Nicodemus também se coloca como autoridade na definição de ateísmo, mas faz o oposto do que os pagãos antigos faziam. Enquanto os pagãos acusavam os monoteístas de ateísmo por não aceitarem seus deuses, Nicodemus rotula de ateus aqueles que acreditam em mais de um deus ou em deuses diferentes do deus bíblico. Essa inversão de papéis demonstra o quão confuso é seu entendimento do tema.
Como comentário final, vale destacar que Nicodemus, ao longo de sua palestra, confunde religiões pagãs com ateísmo, argumentando que quem não acredita no deus hebraico é ateu. Contudo, contradiz-se ao afirmar que a porcentagem de ateus é muito pequena, sem considerar adeptos de religiões politeístas, animistas ou deístas. Essa confusão revela a falta de rigor conceitual em seu discurso, comprometendo qualquer tentativa de crítica séria ao ateísmo.