Ótima aula professor. Por gentileza, deixe-me levantar duas questões sobre Hume e o empirismo, se possível. Creio que o Hume é contraditório mas estimulante. Veja, ele diz que tomo nosso conhecimento sobre causa e efeito deriva-se do hábito, da experiência. Ou seja, esse conhecimento é EFEITO de uma CAUSA. Assim, ele nega a necessidade causal através de uma relação causal! Isso é, ao que me parece, um sofisma. Porém ele é estimulante! Se hoje é quarta, amanhã é quinta. Ótimo, como se pode derivar essa proposição de outras proposições mais primitivas, primeiras e evidentes, como se pode justificar esse conhecimento? Tome as leis de Newton, como se pode justificar que um corpo qualquer no vácuo se em movimento irá continuar em movimento uniforme se não afetado por nenhuma outra força? De quais proposições Newton deduziu essa lei, postulado ou princípio? Como ninguém consegue saber a resposta desta questão, não podemos saber se essa lei é de fato válida ou não. Cito que recentemente o objeto celeste Omuamua acelerou enquanto escapava da órbita do Sol, dizem, muitos, que apenas uma nave espacial poderia fazê-lo, senão ele estaria a violar as "leis da natureza". Mas são essas leis realmente tão gerais e universais? Por que a lei do movimento uniforme no vácuo é de fato uma lei, de quais premissas posso deduzi-la? Por que um objeto não pode acelerar por si mesmo? Ora, essas leis são gerais e universais não para a filosofia, mas para o velho "bom senso". E, de fato, a Física se funda no bom senso. É ele quem diz que depois de quarta, é quinta feira, pois o tempo caminha linearmente para frente. Mas qual a garantia que o tempo vai andar sempre para a frente? De quais premissas se deduz isso? Voltando às "leis da natureza", o que diz Newton sobre isso? Isso: "These Principles [ princípios da física, nota minha ] I consider, not as occult Qualities, supposed to result from the specifick Forms of Things, but as general Laws of Nature, by which the Things themselves are form'd; their Truth appearing to us by Phænomena, though their Causes be not yet discover'd. For these are manifest Qualities, and their Causes only are occult." Ou seja, vai-se saber do que realmente se trata as famosas leis da natureza, suas causa nos são desconhecidas. Mas ele nos dá um resposta provisória invocando a figura do Espírito ( acho que o Uno neoplatônico ) para garantidor da validade das leis naturais: "And now we might add something concerning a certain most subtle Spirit which pervades and lies hid in all gross bodies; by the force and action of which Spirit the particles of bodies mutually attract one another at near distances, and cohere, if contiguous; and electric bodies operate to greater distances, as well repelling as attracting the neighbouring corpuscles; and light is emitted, reflected, refracted, inflected, and heats bodies; and all sensation is excited, and the members of animal bodies move at the command of the will, namely, by the vibrations of this Spirit, mutually propagated along the solid filaments of the nerves, from the outward organs of sense to the brain, and from the brain into the muscles. But these are things that cannot be explained in few words, nor are we furnished with that sufficiency of experiments which is required to an accurate determination and demonstration of the laws by which this electric and elastic Spirit operates." Enfim, vê-se que nossa ciência funda-se, de fato, no bom senso, no "jeitinho europeu": já que não se sabe bem porque essas coisas ocorrem, quais são suas causa, vamos chamá-las de princípios e fim de papo. Agora, tentar ser extremamente lógico e matemático com coisas fundadas em figuras como o Espírito, "as leis da natureza" e "causas que estão para ser descobertas", vai resultar em sérios problemas, como o demonstra a história do Neopositivismo. Portanto, como diz o Hume, nosso conhecimento é meio "capenga", "contrafeito" e baseado no senso comum, mas o que se pode fazer sem ele? Tentar justificar cada passo é válido, mas sem uma grande margem de erro, sem uma visão probabilística, é algo realmente infundado e irracional. PS: não sei se essas minhas conclusões sobre a leitura de Hume fazem sentido ou não, obrigado por me dar espaço para as expor.
Só uma consideração: Hume não nega a existência da causalidade necessária, ele chega a dizer nas Investigações que não existe acaso, mas apenas nossa ignorância sobre as causas reais. A crítica dele é em relação a justificação racional da causalidade no pensamento: extrapolar as conexões costumeiras para inferência causal necessária não teria base demonstrativa racional como a matemática. As conexões costumeiras de eventos não nos fornece certeza, mas nos dão crença de sua regularidade.
@@joaovitor-pj1lx O que eu coloco em tela é a brilhante constatação de Hume de que "todos os raciocínios relativos a causa e efeito são fundados na experiência, e que todos os raciocínios advindos da experiência são fundados no pressuposto de que o curso da natureza continuará uniformemente o mesmo" ( Hume, Resumo do Tratado do Entendimento Humano, p.65 ). Portanto, inferir que o hábito seja a causa dum efeito, nossa crença na relação entre causa e efeito, se baseia no senso comum, ou no máximo em algo probabilístico, é apenas uma crença. Por outro lado, como você diz, a sua crítica reside na nossa incapacidade de demonstrar as leis da natureza. Porém, a ideia de que todo efeito tenha uma causa, não tem nada de necessário. Como se pode demonstrar uma coisa dessas, como se pode justificá-la? Pelas leis da natureza, pelo Espírito do qual Newton faz menção? Ora, há apenas uma boa probabilidade de que essa proposição seja verdadeira. Por fim, não quero interpretar o Hume ao pé da letra, mas dar a entender o que a sua leitura significou para mim. Posso ter escrito um conjunto de besteiras, e me é importante discuti-las.
@@paulodetarso6252 Essa parte sobre a crença na causalidade necessária, Hume tenta responder essa questão na seção 6 e 7 nas Investigações do Entendimento. Hume difere a "crença" e a "fantasia", a crença tem mais vivacidade que fantasia, portanto ela se relaciona diretamente com as impressões, pois depende delas. No tratado ele diz: "crença é mais propriamente um ato sensível do que um aspecto cogitativo de nossa natureza" e nas Investigações: " a crença é qualquer coisa sentida pelo espírito que distingue as ideias dos juízos das ficções da imaginação" e também existiriam diferentes graus dessa vivacidade. Uma crença que Hume considera como de alta vivacidade é que existem, segundo ele, "causas que são inteiramente uniformes e constantes e não apresentam nenhuma falha ou irregularidade" pois justamente observamos sua realização e estabilidade, como exemplo a gravidade. E é claro, existem outras causas mais irregulares, onde a crença tem pouca vivacidade. A afirmação que tudo tenha uma causa de fato não é racionalmente demonstrativa, mas é uma crença bem sólida e viva trazida pelas regularidades da natureza na sucessão dos eventos. O papel da ciência segundo Hume é justamente investigar as causas pelas regularidades observando seus diferentes graus de uniformidade, se distanciando de inferências com poucas observações.
@@joaovitor-pj1lx Muito obrigado pelo esclarecimento. Hume também diz que, nesse sentido, que "a miracle is a violation of the laws of nature". Indo mais além, ele escreve: "It is experience only, which gives authority to human testimony; and it is the same experience, which assures us of the laws of nature." Mas, depois do que ele já escreveu no Tratado do Entendimento, mais parece que milagre é tudo aquilo que vai contra o senso comum, já que as "leis da natureza" são por nós totalmente desconhecidas. Sendo-se mais rigoroso, poder-se-ia dizer que o milagre seria uma violação daquilo que não sabemos e sequer temos a menor ideia do que seja! É certo que ele volta atrás das suas posições, mas o que ele disse não perde a validade, pelo menos não para mim. Hume é contraditório, mesmo assim abre perspectivas fascinantes.
Ótima aula professor. Por gentileza, deixe-me levantar duas questões sobre Hume e o empirismo, se possível.
Creio que o Hume é contraditório mas estimulante. Veja, ele diz que tomo nosso conhecimento sobre causa e efeito deriva-se do hábito, da experiência. Ou seja, esse conhecimento é EFEITO de uma CAUSA. Assim, ele nega a necessidade causal através de uma relação causal! Isso é, ao que me parece, um sofisma.
Porém ele é estimulante! Se hoje é quarta, amanhã é quinta. Ótimo, como se pode derivar essa proposição de outras proposições mais primitivas, primeiras e evidentes, como se pode justificar esse conhecimento? Tome as leis de Newton, como se pode justificar que um corpo qualquer no vácuo se em movimento irá continuar em movimento uniforme se não afetado por nenhuma outra força? De quais proposições Newton deduziu essa lei, postulado ou princípio? Como ninguém consegue saber a resposta desta questão, não podemos saber se essa lei é de fato válida ou não. Cito que recentemente o objeto celeste Omuamua acelerou enquanto escapava da órbita do Sol, dizem, muitos, que apenas uma nave espacial poderia fazê-lo, senão ele estaria a violar as "leis da natureza". Mas são essas leis realmente tão gerais e universais? Por que a lei do movimento uniforme no vácuo é de fato uma lei, de quais premissas posso deduzi-la? Por que um objeto não pode acelerar por si mesmo?
Ora, essas leis são gerais e universais não para a filosofia, mas para o velho "bom senso". E, de fato, a Física se funda no bom senso. É ele quem diz que depois de quarta, é quinta feira, pois o tempo caminha linearmente para frente. Mas qual a garantia que o tempo vai andar sempre para a frente? De quais premissas se deduz isso?
Voltando às "leis da natureza", o que diz Newton sobre isso? Isso: "These Principles [ princípios da física, nota minha ] I consider, not as occult Qualities, supposed to result from the specifick Forms of Things, but as general Laws of Nature, by which the Things themselves are form'd; their Truth appearing to us by Phænomena, though their Causes be not yet discover'd. For these are manifest Qualities, and their Causes only are occult."
Ou seja, vai-se saber do que realmente se trata as famosas leis da natureza, suas causa nos são desconhecidas. Mas ele nos dá um resposta provisória invocando a figura do Espírito ( acho que o Uno neoplatônico ) para garantidor da validade das leis naturais: "And now we might add something concerning a certain most subtle Spirit which pervades and lies hid in all gross bodies; by the force and action of which Spirit the particles of bodies mutually attract one another at near distances, and cohere, if contiguous; and electric bodies operate to greater distances, as well repelling as attracting the neighbouring corpuscles; and light is emitted, reflected, refracted, inflected, and heats bodies; and all sensation is excited, and the members of animal bodies move at the command of the will, namely, by the vibrations of this Spirit, mutually propagated along the solid filaments of the nerves, from the outward organs of sense to the brain, and from the brain into the muscles. But these are things that cannot be explained in few words, nor are we furnished with that sufficiency of experiments which is required to an accurate determination and demonstration of the laws by which this electric and elastic Spirit operates."
Enfim, vê-se que nossa ciência funda-se, de fato, no bom senso, no "jeitinho europeu": já que não se sabe bem porque essas coisas ocorrem, quais são suas causa, vamos chamá-las de princípios e fim de papo. Agora, tentar ser extremamente lógico e matemático com coisas fundadas em figuras como o Espírito, "as leis da natureza" e "causas que estão para ser descobertas", vai resultar em sérios problemas, como o demonstra a história do Neopositivismo.
Portanto, como diz o Hume, nosso conhecimento é meio "capenga", "contrafeito" e baseado no senso comum, mas o que se pode fazer sem ele? Tentar justificar cada passo é válido, mas sem uma grande margem de erro, sem uma visão probabilística, é algo realmente infundado e irracional.
PS: não sei se essas minhas conclusões sobre a leitura de Hume fazem sentido ou não, obrigado por me dar espaço para as expor.
Só uma consideração: Hume não nega a existência da causalidade necessária, ele chega a dizer nas Investigações que não existe acaso, mas apenas nossa ignorância sobre as causas reais. A crítica dele é em relação a justificação racional da causalidade no pensamento: extrapolar as conexões costumeiras para inferência causal necessária não teria base demonstrativa racional como a matemática. As conexões costumeiras de eventos não nos fornece certeza, mas nos dão crença de sua regularidade.
@@joaovitor-pj1lx O que eu coloco em tela é a brilhante constatação de Hume de que "todos os raciocínios relativos a causa e efeito são fundados na experiência, e que todos os raciocínios advindos da experiência são fundados no pressuposto de que o curso da natureza continuará uniformemente o mesmo" ( Hume, Resumo do Tratado do Entendimento Humano, p.65 ). Portanto, inferir que o hábito seja a causa dum efeito, nossa crença na relação entre causa e efeito, se baseia no senso comum, ou no máximo em algo probabilístico, é apenas uma crença.
Por outro lado, como você diz, a sua crítica reside na nossa incapacidade de demonstrar as leis da natureza. Porém, a ideia de que todo efeito tenha uma causa, não tem nada de necessário. Como se pode demonstrar uma coisa dessas, como se pode justificá-la? Pelas leis da natureza, pelo Espírito do qual Newton faz menção? Ora, há apenas uma boa probabilidade de que essa proposição seja verdadeira.
Por fim, não quero interpretar o Hume ao pé da letra, mas dar a entender o que a sua leitura significou para mim. Posso ter escrito um conjunto de besteiras, e me é importante discuti-las.
@@paulodetarso6252 Essa parte sobre a crença na causalidade necessária, Hume tenta responder essa questão na seção 6 e 7 nas Investigações do Entendimento. Hume difere a "crença" e a "fantasia", a crença tem mais vivacidade que fantasia, portanto ela se relaciona diretamente com as impressões, pois depende delas. No tratado ele diz: "crença é mais propriamente um ato sensível do que um aspecto cogitativo de nossa natureza" e nas Investigações: " a crença é qualquer coisa sentida pelo espírito que distingue as ideias dos juízos das ficções da imaginação" e também existiriam diferentes graus dessa vivacidade.
Uma crença que Hume considera como de alta vivacidade é que existem, segundo ele, "causas que são inteiramente uniformes e constantes e não apresentam nenhuma falha ou irregularidade" pois justamente observamos sua realização e estabilidade, como exemplo a gravidade. E é claro, existem outras causas mais irregulares, onde a crença tem pouca vivacidade.
A afirmação que tudo tenha uma causa de fato não é racionalmente demonstrativa, mas é uma crença bem sólida e viva trazida pelas regularidades da natureza na sucessão dos eventos. O papel da ciência segundo Hume é justamente investigar as causas pelas regularidades observando seus diferentes graus de uniformidade, se distanciando de inferências com poucas observações.
@@joaovitor-pj1lx Muito obrigado pelo esclarecimento. Hume também diz que, nesse sentido, que "a miracle is a violation of the laws of nature". Indo mais além, ele escreve: "It is experience only, which gives authority to human testimony; and it is the same experience, which assures us of the laws of nature."
Mas, depois do que ele já escreveu no Tratado do Entendimento, mais parece que milagre é tudo aquilo que vai contra o senso comum, já que as "leis da natureza" são por nós totalmente desconhecidas. Sendo-se mais rigoroso, poder-se-ia dizer que o milagre seria uma violação daquilo que não sabemos e sequer temos a menor ideia do que seja!
É certo que ele volta atrás das suas posições, mas o que ele disse não perde a validade, pelo menos não para mim.
Hume é contraditório, mesmo assim abre perspectivas fascinantes.
Acho que a discussão poderia ser bastante ampliada
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